Irreverente “nanico” de oposição ao regime ditatorial, o jornal “O Pasquim” está disponível no site da Fundação Biblioteca Nacional de forma gratuita.
A iniciativa de digitalização de todas as suas edições se iniciou em 2019, no âmbito do aniversário de 50 anos da publicação. O trabalho contou com o apoio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do cartunista Ziraldo – um de seus protagonistas – que cederam exemplares para completar a coleção da Biblioteca Nacional.
Os arquivos estão disponíveis no portal de periódicos da instituição – a Hemeroteca Digital Brasileira.
Leila Diniz, uma das entrevistas antológicas de “O Pasquim”
“72 PALAVRÕES
A história do Pasquim se fez ao longo de 22 anos, ou exatas 1.072 edições. Já sem seus colaboradores iniciais, o jornal minguou ao longo dos anos 1980 até ganhar um ponto final em 1991. Mas já tinha alcançado toda a fama a que seus relutantes criadores duvidaram que pudesse chegar. Mais do que um jornal alternativo, O Pasquim (que ao longo do tempo perdeu o artigo do título) foi O jornal alternativo por excelência, o que não o impediu – pelo contrário – de fustigar a ditadura militar e dar muitas dores de cabeça aos militares no poder, gente sabidamente sem muito bom humor naqueles tempos.
Porque o bom jornalismo praticado por aqueles escribas vinha aliado a muito deboche e ousadia. O que pode ser checado hoje no site da Biblioteca Nacional (www.bn.gov.br), que tem todas as edições do jornal digitalizadas. A começar pelo primeiro e histórico número, que trouxe o colunista Ibrahim Sued na grande entrevista inaugural – as longas entrevistas, publicadas sem edição, se tornaram marca registrada do Pasquim. Ibrahim, que ainda se intitulava “colunista social”, tropeçava na língua, muitas vezes maltratava o idioma, mas era um jornalista muito bem informado e com tiradas que se tornaram clássicos, como o “ademain que vou em frente”, ao se despedir, ou “bomba, bomba” quando tinha um furo de reportagem. E na sua entrevista ao jornal – intitulada “Sou imortal sem fardão” – ele deu seu furo: foi nas páginas do Pasquim que os brasileiros souberam, em primeira mão, que Emílio Garrastazu Médici seria o novo ditador de plantão.
Outra entrevista icônica, que acaba de completar meio século, foi com a atriz Leila Diniz. Linda, desbocada e liberal demais para aqueles tempos bicudos – sua foto grávida e de biquíni causou furor -, Leila não se fez de rogada: falou, ao longo da entrevista, 72 palavrões, devidamente “camuflados” na edição com asteriscos e sinais gráficos. Mas todo mundo entendeu o que ela queria dizer. A censura também – e manteve um censor de plantão na redação até 1975.
Mas mesmo com o tacão federal pairando acima de suas cabeças, o pessoal do Pasquim não arrefeceu e deixou um legado de entrevistas, cartuns e frases que ressoam até hoje. Como o ratinho irreverente Sig, criado por Jaguar. Ou como aquelas que, a título de aforismos, apareciam na seção “Gip gip, nheco nheco”. Criadas pelo jornalista Ivan Lessa, que mais tarde se mudaria de malas e bagagens para Londres – como Francis foi para Nova York -, elas eram uma alfinetada bem dada na hipocrisia que reinava por estas bandas. “No Brasil, morre-se muito de médico”, dizia uma. E uma outra, esta ainda mais célebre, já que é miseravelmente atual, posto que quem não tem uma visão histórica dos fatos acaba tendo uma visão histérica deles: “A cada 15 anos, os brasileiros se esquecem o que aconteceu nos últimos 15 anos”.” {Artigo publicado no Jornal da USP em 2019, no aniversário de 50 anos do Pasquim}
Para saber mais sobre o jornal, assista “O Pasquim – A Subversão do Humor”
Guatá / Com Jornal da USP
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