Registro do 2° Encontro Nacional dos Educadores e Educadoras da Reforma Agrária, que reuniu mais de 1,5 mil pessoas em Luziânia (GO), em 2015 – Foto: Mídia Ninja/MST
Na semana em que se celebra o Dia do Professor e da Professora, a educadora popular Roseli Salete Caldart e a editora Expressão Popular relançam o livro A Pedagogia do Movimento Sem Terra, agora em versão digital e gratuita. Publicada originalmente em 2000, a obra completa 25 anos de circulação entre educadores e educadoras do campo e da cidade, e consolida-se como referência para quem busca compreender a dimensão educativa da luta pela terra no Brasil.
Fruto da prática e da elaboração coletiva desenvolvida dentro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a obra sistematiza experiências pedagógicas construídas ao longo das últimas décadas e aponta caminhos para uma formação enraizada nos territórios, nas comunidades e na realidade concreta das populações camponesas.
Roseli Caldart é doutora em Educação e integra o Coletivo Nacional do Setor de Educação do MST. Atua há 37 anos com formação dentro do movimento e atualmente é assessora pedagógica do Instituto de Educação Josué de Castro, no Rio Grande do Sul.
Ao relançar a obra em formato acessível, a autora retoma os fundamentos teóricos, políticos e organizativos da pedagogia desenvolvida no interior do MST, concebida como uma práxis pedagógica coletiva. A proposta não parte de métodos pré-definidos, mas de princípios forjados no enfrentamento político e no trabalho de base nos assentamentos e acampamentos.
“O MST me ensinou que a educação é tarefa de um projeto político”, afirma Roseli. A partir de sua trajetória como militante e educadora, ela propõe uma leitura da escola como espaço estratégico para a Reforma Agrária Popular – uma escola que se comprometa com a formação integral dos sujeitos do campo, sem se dissociar das lutas que marcam seus territórios.
Inspirada por Paulo Freire e pelo legado da educação popular latino-americana, Roseli defende uma pedagogia feita em movimento e para o movimento, que reconheça os trabalhadores e trabalhadoras como sujeitos de sua própria história.
Na entrevista a seguir, ela comenta o processo de elaboração da obra, as influências teóricas que sustentam a pedagogia do movimento, os desafios da educação do campo e a atualidade do projeto educativo do MST 25 anos após a primeira edição do livro.
Capa do livro Pedagogia do Movimento, relançado pela Expressão Popular, com versão online | Reprodução
Brasil de Fato – Como nasceu o livro A Pedagogia do Movimento Sem Terra?
Roseli Caldart – Essa obra nasce do chão da prática. Foi escrita no calor do engajamento nas tarefas educativas do MST, especialmente a partir da década de 1990, quando se ampliaram os projetos e os espaços de formação do Movimento. A escrita é marcada por esse duplo compromisso: com a prática e com a elaboração coletiva que a sustenta.
Qual foi o papel do MST na construção da sua trajetória como educadora?
O MST me ensinou que a educação é tarefa de um projeto político. Trabalhar com formação em um movimento popular me exigiu ressignificar minha própria compreensão do que é educar. Minha trajetória se entrelaça com a construção da pedagogia do MST, não apenas como objeto de estudo e sim como campo de atuação concreta. Trabalho com educação no MST há 37 anos e foi nessa militância que me fiz educadora.
Por que falar em uma “Pedagogia do Movimento”?
Porque se trata de uma pedagogia que nasce da luta. É feita em movimento e para o movimento. Não estamos falando de um método pedagógico específico, mas de um conjunto de princípios, práticas e sentidos construídos a partir da experiência de um sujeito coletivo – os trabalhadores e trabalhadoras sem terra.
Não começamos o trabalho de educação do MST nomeando-o e entendendo assim. Foi uma compreensão construída como práxis, um “autobatismo” de juventude que está agora completando 25 anos.
A expressão “Pedagogia do Movimento Sem Terra” foi cunhada para nomear a dimensão educativa e a intencionalidade pedagógica presentes no processo de formação da identidade sem-terra. Buscávamos compreender como o MST educa as pessoas que dele fazem parte para poder melhor situar o lugar da escola nesse processo social educativo mais amplo.
Quais são as principais influências teóricas da pedagogia do MST?
Paulo Freire foi desde o início e continua sendo uma referência fundamental, especialmente por ter construído uma concepção de educação popular que tem os oprimidos como sujeitos de sua própria libertação.
Além dele, temos dialogado com o legado da pedagogia socialista soviética de tradição marxista: Krupskaya, Pistrak, Shulgin, Lunatcharski. Porém a base principal da pedagogia do movimento são as práticas educativas transformadoras de nossas educadoras e educadores.
São as ações do MST, do conjunto de sua dinâmica organizativa de luta e trabalho, pensadas como uma estratégia formativa. E são os processos que compõem o trabalho específico de educação nas escolas de educação básica, na educação de jovens e adultos, nas cirandas infantis, nos cursos de magistério, pedagogia, licenciaturas e nas atividades diversas de formação realizadas pelo MST e por outras organizações populares com as quais dialogamos.
Paulo Freire é a principal referência da pedagogia do MST | MST-PR
Qual é o papel da escola nos assentamentos e acampamentos?
A escola é um espaço estratégico para o fortalecimento do projeto de reforma agrária popular. Ela não pode estar dissociada das questões da vida. No MST, lutamos por escolas que sejam enraizadas no território, conectadas com a realidade concreta das comunidades, dos sujeitos do campo e comprometidas com a formação integral das pessoas.
Quais desafios ainda permanecem para a Educação do Campo no Brasil?
Vivemos uma realidade de negação de direitos, de desmonte de políticas públicas e de criminalização dos movimentos populares. A Educação do Campo ainda enfrenta o desafio de garantir estrutura, valorização docente e, sobretudo, respeito à sua identidade. Mas seguimos apostando na formação de educadores e no seu vínculo com a dinâmica viva de luta e construção da Reforma Agrária Popular. Resistência ativa.
Como o livro tem sido utilizado na formação docente?
Ele tem sido lido e discutido em diferentes atividades de formação do MST e além dele. Tem circulado nos cursos de Pedagogia e de outras áreas, tanto em universidades quanto em espaços de formação de movimentos populares do campo e da cidade.
O livro ajuda a sistematizar uma experiência coletiva e, ao mesmo tempo, provoca quem lê a pensar a educação a partir da realidade concreta e para além da pedagogia do capital, que hoje se tenta ostensivamente impor às escolas e a outros espaços educativos.
Ao longo das mais de quatro décadas de história, MST promoveu diversas campanhas de alfabetização | MST-BA
O que significa relançar esse livro agora, tantos anos depois da primeira edição?
Em 2025 completam-se 25 anos da primeira edição do livro “Pedagogia do Movimento Sem Terra”, inicialmente publicado pela Editora Vozes, em 2000. A partir de 2004 as novas edições foram feitas pela Editora Expressão Popular.
O relançamento em PDF gratuito amplia o acesso e convida novas gerações de educadores e educadoras a conhecer essa história e a se somar nesse projeto coletivo de transformação.
A Pedagogia do Movimento continua viva porque a formação de lutadores e construtores segue cada vez mais necessária. E porque aprendemos do movimento e pelo movimento da história que viver é lutar. Viver é construir, criar. As urgências deste nosso tempo histórico nos exigem trabalhar incansavelmente para transformar, em força material da construção histórica do socialismo, as possibilidades de luta e criação que a realidade atual nos impõe.
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