.
Nilson Monteiro em dois tempos – Fotos: acervo pessoal
. Dona Maria, parteira de quase toda gente do lugar, ao me tirar do agasalho generoso e em sangue de minha mãe, Damaris, disse:
“Moleque sacudido!”
Escorpião, no sol lanhado no dia 26 de outubro, tido e havido como teimoso!
Chego aos 71, com outra rima: dolorido. Mas insisto, como queria meu pai Florêncio: destemido.
E chego com uma palavra que é um verso: agradecido!
Pelas mãos negras luzentes de dona Maria vinguei, com a bênção de Nossa Senhora da Aparecida, padroeira de minha cidade, Presidente Bernardes, e de dois santos tão marrentos quanto eu: São Jorge Guerreiro, padroeiro de Cáceres, na Extremadura, onde nasceu meu avô espanhol, Militão, e São Lourenço, padroeiro de Itaparica, onde nasceu meu avô baiano, João Ariane. Jorge e Lourenço, santos, morreram em luta contra a injustiça.
Sobre essa tríade – Aparecida, Jorge e Lourenço – brilha a luz Divina, que tem pedaços espalhados por todo o universo e a todos Deus deu uma Estrela, já o disse o querubin Helena Kolody.
Minhas três avós, Benedita, Braulina e Josefa, foram sinônimas de bondade e protetoras daquele nascido pelas mãos afros de Maria em minha tórrida Guarucaia.
Gira-chão, respeito, sim senhor, o Ecumenismo, que acata religiões e crenças do Bem, vindas de Roma, das Américas, da Ásia ou do naco africano do mundo. Não valem os dogmas. Valem as Crenças, a Ciência e o Bem.
Aprendi a aprender com uma dúvida socrática: só sei que nada sei. E assim foi e é em tudo, especialmente nessa mania que me agarrou: lidar com as letras. Sei que em minha vida tudo tem seis letras: paixão!
Sou um apaixonado pelo que faço; sou apaixonado por minha mulher, Cleusa; sou apaixonado pelos meus filhos, Tiago, Rafael e Ana, pelos meus netos, Lia, Lucca e Tui; sou apaixonado por meus irmãos Nivaldo (falecido), Nilton e Florêncio; sou apaixonado pela minha família, apesar de tantos desencontros; sou apaixonado pelas pessoas, notadamente as que defendem e celebram a vivência comum sem disfarces.
Nenhum anjo torto ou cintilado me indicou caminho ao nascer como um deles fez para o versejador Drummond. Fui descobrir rumos no mundo, sem partidos, mas no tempo presente com os homens presentes. Estou preso à Vida e detesto quem canta, celebra ou propaga a Morte. Sempre detestei, tivessem a coloração ou a fantasia que vestissem!
Dolorido de corpo e alma aos 71.
No corpo, porque desastroso, no qual espetam vértebra e braço quebrados por ser ainda um moleque (sem sacudir!!!), e uma Influenza xereta, que me abraçou sem licença.
Na alma, a dor de ver meu país entregue ao caos e à ausência de inteligência e respeito. Um país fendido por culpa e (des) graça de um projeto embolorado em câmaras de gás. Um país que rasga livros e lambe armas.
Contudo, com muito orgulho, esse é o meu país, nunca desistirei da Vida e de meu País! Minha tríade santa e protetora, que me trouxera do ventre de minha mãe, afasta os arrenegados e seus tridentes de cano duplo.
Sou infinitamente agradecido a todas, todas, as mensagens, centenas, que me foram enviadas e continuam a chegar por todos os meios nesse dia tão provido de Luz!
Pena que dona Maria não esteja mais aqui nem agora e nem quando eu morrer, para bater no meu peito e falar: Eita, véio sacudido!
(NM)
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.