A produção agrícola responde por nada menos do que 70% do consumo mundial de água. Mas, ao mesmo tempo que depende desse recurso vital, a atividade também contribui para sua degradação. A poluição hídrica causada por práticas agrícolas insustentáveis, marcadas pelo abuso de agrotóxicos que escoam para rios, lagos e reservas subterrâneas, é um problema crescente em todo o mundo.
O Brasil, uma potência em agricultura industrial, é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo. Só em 2017, cerca de 540 mil toneladas de ingredientes ativos desses produtos foram consumidas.
Hoje (22) é Dia Mundial da Água. Água potável segura é um direito humano, o que inclui o direito de as pessoas saberem o que tem na água que estão bebendo. A legislação brasileira define que os fornecedores de água – sejam eles empresas estatais, privadas ou governos municipais – são responsáveis por testar 27 agrotóxicos específicos, a cada seis meses, nos sistemas que gerenciam e devem relatar esses resultados ao governo federal.
Para a professora da Faculdade de Tecnologia da Unicamp, Gisela de Aragão Umbuzeiro, “a quantidade de agrotóxicos que hoje consta nesta portaria é pequena e não é representativa dos agrotóxicos que estão sendo usados no Brasil e poderiam causar algum efeito adverso”, levando em conta que o número de ingredientes ativos registrados no Brasil, 306, é 11 vezes maior do que os 27 analisados na água para consumo.
Outro ponto importante é a periodicidade dessas análises que ocorrem semestralmente, “elas são feitas muitas vezes fora ou distante da época do uso do agrotóxico na cultura, isso pode contribuir para que os resultados encontrados não correspondam à real situação da presença de agrotóxico na água”, acredita a médica sanitarista Telma Nery.
A atrazina está banida da União Europeia desde 2004, mas aqui é o sexto pesticida mais comercializado com quase 29 mil toneladas, apenas em 2017. Ela também é o contaminador mais comumente encontrado na água. “A atrazina tem um importante efeito no sistema hormonal do ser humano, como também nos sistemas endócrino, reprodutor e neurológico. Quando em uma exposição crônica, ela pode trazer efeitos [negativos] nesses sistemas”, diz Nery.
Um desafio complexo como a poluição hídrica pela agricultura requer múltiplas respostas. Segundo a FAO, organização ligada a Nações Unidas, em sua publicação “Mais pessoas, mais alimentos, água pior?”, a maneira mais eficaz de reduzir a pressão sobre ecossistemas aquáticos é atenuar a poluição na fonte.
São apontadas políticas de instrumentos regulatórios tradicionais, como padrões de qualidade da água, licenças de descarga de poluição, avaliações de impacto ambiental para certas atividades agrícolas e limites à comercialização e venda de produtos perigosos, entre outras intervenções.
“As grandes corporações são as que mais consomem água. Todo mundo sabe que quase 70% de toda a água disponível é usada para o agronegócio, e a contrapartida do ponto de vista de geração de emprego, de garantia de alimentos saudáveis é inversamente proporcional”, comenta Edson Aparecido da Silva, secretário executivo do Observatório Nacional dos Direitos a Água e ao Saneamento (ONDAS) e assessor de Saneamento da Fundação Nacional dos Urbanitários (FNU).
Silva esteve presente no Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), criado em 2018, que reuniu organizações e movimentos sociais que lutam mundialmente em defesa da água como direito elementar à vida. Este Fórum se contrapõe ao autodenominado Fórum Mundial da Água (FMA), um encontro promovido pelos grandes grupos econômicos que defendem a privatização das fontes naturais e dos serviços públicos de água. Entre as corporações interessadas na apropriação desse recurso e que patrocinaram o evento, estavam Ambev, Nestlé e Coca-Cola.
“Esse modelo de desenvolvimento da lógica do capital se sobrepõe a lógica da garantia dos direitos humanos e da preservação dos bens comuns. As articulações dos movimentos populares dos atingidos por grandes empreendimentos, como o caso do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), ou da luta do Movimentos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que garantem uma produção sustentável sem agrotóxico e que dá condições dignas de vida para a população do campo, têm que ser cada vez mais fortalecidos”, afirmou Aparecido da Silva.
__________________________Nadine Nascimento / Brasil de Fato
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