Comecemos pelo fim: era visível a todos nós esse fim melancólico e sofrido de João Gilberto. Idade, saúde fragilizada, problemas familiares, processos, etc. Difícil demais para uma pessoa de 88 anos. Obviamente, a morte pode ser vista como alento, descanso eteno… Não é esse João Gilberto que gostaria de me concentrar nesse momento. Volto ao João Gilberto dos anos 50 e 60 e do momento síntese da música brasileira.A música que ele interpretava dizia muito de um Brasil com esperança de desenvolvimento. Um país cantado com alegria, dramático em seus amores, popular em sua vivacidade. A sua voz, o seu violão e sua batida particular nos levava sempre a um Brasil imenso. Dava a entender que ele sempre cantava sentimentos de um país imenso, maior do que parecia ser. Nada na voz quase falada de João Gilberto parecia pequeno. Era simples, singelo, mas nunca pequeno.A predominância do samba tornado Bossa Nova foi a marca moderna de João Gilberto e sua influência em toda uma geração. Esse baiano era um exímio interprete ao lado de um violão único na história do Brasil… Mas que nunca esqueceu seu povo, sua terra… Era cosmopolita sem perder sua raiz… Por tudo isto, a morte de João Gilberto nos toca profundamente (a mim, em particular). Pelo que ele foi na MPB e pelo que disse resumidamente aqui. Mas tem uma coisa que incomoda na sua morte hoje: ele ter morrido nesse ano de 2019.O sentimento que temos é de um pais que agoniza sem ter rumo. João Morre no momento em que governa essa figura desqualificada e medíocre chamada Bolsonaro. Um governo que odeia tudo que cantou João Gilberto. Um país marcado pelo ódio, pelo veneno, pela baixaria pequena e sem dimensão de grandeza alguma. Traumatizados com esses dias de fúria sem delicadeza, precisamos voltar a geração de João Gilberto e darmos um rumo nesse presente a um Brasil…A morte de João Gilberto tem que ser um lugar de pensamento. Tem que ser um lugar de memória. Tem que ser um lugar de utopia. A música que cantou João Gilberto deve um lugar para investigarmos como chegamos a essa tragédia dos dias de hoje.
______________________________(*) Romero Venâncio é professor da Universidade Federal de Sergipe. Artigo publicado no dia 6 de julho de 2019 no jornal Brasil de Fato
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