Por que escrevoPor quê, eu não sei. Mas em trem de procurar explicações, poderia dizer que escrevo Porque a minha tendência para o pecado me impediu de ser santo. Porque no futebol eu sempre fui um patadura, Porque há histórias que merecem ser contagiadas, Porque me diverte a desenterrar tesouros escondidos. Porque me dói a dor alheio, Porque me goza o alheio prazer, Porque escrevendo devolvo para os outros o que deles vem, Porque escrevendo jogo a pular o abismo que separa o desejo e o mundo, Porque escrevendo jogo a acreditar que posso dizer o que eu quero dizer, Porque escrevendo compartilho alegrias, melancolias, descobertas, encandeamentos, Porque de sherazade aprendi que há histórias que valem mais um dia de vida, Porque de onetti aprendi a procurar palavras melhores do que o silêncio, Porque eu sou caminhante, e cada palavra é uma nova viagem que começa. Porque assim eu falo ao ouvido de amigas e amigos que eu não conheço E nelas e neles eu me reconheço, E porque sendo, como eu sou, um inútil total, eu não posso fazer outra coisa.
_________________________Eduardo Galeano, escritor uruguaio. (1940-2015)
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.