O som frenético dos instrumentos de sopro e percussão, o movimento rápido dos corpos dançantes, acompanhados de sombrinhas e roupas coloridas, dão o tom dessa manifestação cultural centenária reconhecida como patrimônio imaterial da humanidade: o frevo, símbolo maior do estado de Pernambuco.Ele é celebrado nacionalmente no dia 14 de setembro. A data é uma referência ao nascimento do jornalista Oswaldo de Oliveira, que em 09 de fevereiro de 1907 mencionou pela primeira vez a palavra frevo no Jornal Pequeno do Recife.O termo, segundo historiadores, quer dizer “ferver”. Criado através da influência do maxixe, capoeira, marcha, dobrado, polca e quadrilha, o ritmo tem como berço a capital pernambucana.Sua origem data o final do século XIX e se relaciona diretamente com a formação social da camada trabalhadora do Recife, como explica a pesquisadora e historiadora Carmem Lélis.“Ele tem uma relação social muito forte na construção territorial e geográfica da cidade e está vinculado a uma resistência que vem das camadas populares. Desde os negros que estavam sendo ‘libertos’ do processo de escravidão até a formação da classe trabalhadora urbana.”Ela destaca que o carnaval, momento em que o frevo ganha maior visibilidade, “é apenas um exemplo emblemático da expansão desse movimento”.“O carnaval é o momento da festa. Mas o frevo se sobressai e tem uma relação muito forte na construção das camadas populares, na busca de um lugar social, de um espaço de história, que faz parte da memória desses moradores do Recife”, pontua.Em 2012, o frevo foi declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).A expressão popular é Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro desde 2007, ano do seu centenário. O dossiê que deu o título ao frevo foi conduzido por Carmem Lélis.Ela avalia que a partir desses reconhecimentos, as ações de salvaguarda da manifestação progrediram. Ela cita como exemplo a criação do Paço do Frevo, centro cultural responsável por difundir e fomentar o ritmo pernambucano. No entanto, a pesquisadora destaca que ainda há aspectos em que é preciso avançar.“A gente precisa ter uma relação de visibilidade maior, onde esses detentores sejam mais respeitados: os bailarinos, os músicos, as costureiras, os artesãos que fazem os bonecos e nós todos que amamos o frevo. É preciso que essas práticas de patrimonialização sejam mais referendadas, não só pelo poder público, mas também pela sociedade civil. Inclusive para a formação de plateia que não seja apenas para o processo da festa, o carnaval”, afirma.A passista Adriana Roberta, conhecida popularmente como Adriana do Frevo, também defende que os “fazedores de frevo” sejam reconhecidos pela sua contribuição com a manifestação popular. Ela é diretora do clube Vassourinhas de Olinda há mais de 20 e participa de projetos sociais que atuam na formação de bailarinos na cidade.“É preciso reconhecer como nós somos importantes culturalmente. A gente é cultura, história, tradição e patrimônio. Então, os desafios, para mim, em um primeiro momento, é o reconhecimento da arte e, em outro momento, o valor financeiro, que ainda não conseguimos alcançar”, diz.Outro ponto destacado pela pesquisadora Carmem Lélis é que, ao longo da história, o frevo passou por um processo de branqueamento para ser referendado como símbolo popular.“A gente não tem o hábito de colocar a negritude do frevo. Ele foi ‘branqueado’ para depois servir como identidade nossa, pelas classes dominantes. Hoje ele volta a buscar nas suas bases a relação do capoeira. Essa população que estava nas ruas nesse momento de formação social era basicamente negra”, ressalta a historiadora.Ela acrescenta que o mesmo aconteceu em relação à presença da mulher nesses espaços.“Hoje a documentação começa a trabalhar nisso e a mostrar que você tem a presença feminina forte, embora sido dito que não”, completa.Esse complexo sistema cultural, que envolve música, dança e a identidade de um povo, arrasta, todos os anos, milhões de foliões, de diversas localidades, para o carnaval pernambucano. E é difícil ficar parado quando se ouve o primeiro acorde tocar.E se você acha que os passos são difíceis e que dançar frevo é uma missão quase impossível, Adriana do Frevo, a passista que entende do assunto, diz que não tem nada disso. É só sentir a música e ser levado meu ritmo contagiante.“Eu costumo dizer que desde a gênese, da formação do ser, pode dançar frevo. É só querer. Quando se envolve, você já dança. Então, o mais importante é você se entregar. Eu uso uma palavra dentro do contexto da ‘frevância’, do ‘frevarte’, da criação, que é: você precisa pertencer. Se você pertence ao ambiente e vem pra trabalhar, você consegue”, finaliza.
_____________________Guatá/ da página Brasil de Fato / texto: Geisa Marques
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