A Pontifícia Universidade Comillas reconheceu como Doutor Honoris Causa por seu compromisso com o povo e a cultura guarani Bartomeu Melià, jesuíta de 85 anos que continua dedicando diariamente sua vida pelos povos indígenas do Paraguai, aonde chegou aos 22 anos de idade e a quem dedica esse reconhecimento acadêmico. Uma entrega por sua gente e sua cultura, porque é através dela que foi capaz de se aproximar das pessoas.
A entrevista é de José Luis Jiménez, publicada por Vida Nueva, 01-05-2018. A tradução é de André Langer.
.O que uma distinção como o Doutor Honoris Causa da Comillas significa para você?É uma honra que quero transferir aos povos indígenas com os quais convivi, especialmente aos guarani; eles me ensinaram muitas coisas com o seu modo de viver, não apenas conhecimentos, mas o caminho da sabedoria, se é que dei algum passo nela.Em seus estudos, você destaca seu amor pela língua guarani. Por que ainda continuamos a nos confrontar pela língua?A língua é o território do ser. Os povos, mesmo subjugados, ainda não estão conquistados se falam sua língua. Minha grande preocupação é ver no Paraguai que vários povos indígenas perdem sua língua. Academicamente, também me interessei pelo guarani do século XVII, que já não se fala mais. Mas no Paraguai, mesmo a população em geral, não apenas os mestiços, fala guarani, mas com muitos empréstimos do castelhano; uma espécie de terceira língua; um agregado de solecismos e barbarismos. Mas também existe um guarani muito correto que, paradoxalmente, é o dos analfabetos da classe rural paraguaia.Qual é o presente e o futuro dos povos indígenas, especialmente dos guarani?É o capítulo mais triste do Paraguai. Por parte da política oficial, atrevo-me a chamá-lo de genocídio dissimulado. O cultivo da soja, do qual o Paraguai tanto se orgulha, é feito à custa do desmatamento e do desenraizamento da nação guarani. O maior produtor de soja é, de fato, o maior produtor de pobreza e miséria extrema. Muita terra para poucos, e muitos, a maioria, sem terra onde colocar o pé e menos ainda a casa.Nos últimos anos tem havido uma escalada de ataques contra os defensores dos povos indígenas e dos Direitos Humanos, como Berta Cáceres em Honduras. Como se vive essa realidade a partir daí?De fato, a população indígena – aquelas nações anteriores à formação do Estado – segue sendo discriminada e desprezada. Ser chamado de índio, seja guarani, ayoreo, nivaclé, sanapaná, angaita, até 19 dessas nações no Paraguai, é um insulto, e alguns índios até escondem sua identidade. Defender e lutar junto a esses povos é algo mal visto. Eu sou companheiro do Irmão jesuíta Vicente Cañas, que foi assassinado por grandes proprietários de terra, apoiados por um delegado de polícia. Só agora, em 2017, após 30 anos, conseguiu-se a condenação e a prisão do autor desse assassinato. Nesta situação, tentamos viver com prudência e, mesmo com medo, seguimos o caminho.Qual é o papel da Igreja [católica] nesta realidade?Muda muito conforme o país. Depende também muito das relações que a Igreja tem com as classes poderosas. Tanto no Brasil como no Paraguai temos bispos, não todos da mesma forma, mas que defendem com força os povos indígenas nos muitos casos de injustiças que sofrem; não costumam ser bem vistos pelos governos nacionais, mais devotados às forças supostamente produtoras, que no final são destruidoras do futuro desses países. Pilhagem e produção de pobres não são progresso. São os pobres que garantem o futuro do país.Como a presença no trono de Pedro de um sul-americano afeta o dia a dia?A Encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco é profética; quando a leio, parece-me que ele mesmo ouviu os povos indígenas. O Sínodo da Amazônia para 2019, que já está sendo preparado, trará para o primeiro plano, creio eu, um modelo de vida que não é o mercado, mas o dom e a reciprocidade. Confio que nos tornará herdeiros da sabedoria indígena tão ameaçada por ser a mais racional e humana, e mais cristã do que a de muitos que chamamos cristãos. O Papa Francisco, se ensina, é porque ouviu muito.
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