Seja por meio dos veículos de comunicação tradicional ou pelas novas tecnologias, a comunicação é uma potente ferramenta de construção de hegemonia. A reflexão está presente na obra Comunicações em tempos de crise, de Helena Martins, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e doutora em comunicação.Publicado recentemente pela Expressão Popular, o lançamento será enviado para assinantes do Clube do Livro da editora este mês, acompanhado da obra “Dialética do marxismo cultural”, de Iná Camargo Costa.À luz da teoria do filósofo e político marxista Antônio Gramsci, a produção de Martins analisa como a concentração do discurso político e a imposição de uma visão de mundo, prática comum aos grandes grupos midiáticos, se atualiza e se perpetua pela internet. Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, a autora afirma que empresas e corporações buscam fazer uma manipulação política e ideológica por meio da modulação algorítmica, um processo de reconfiguração da rede que permite que as plataformas escolham quais produtos ofertar, quais conteúdos serão absorvidos e controlem as experiências dos usuários no âmbito virtual.Ela critica a ideia de neutralidade técnica em relação às tecnologias, baseada na leitura de que os dispositivos só trazem avanços à sociedade. Na opinião da especialista, as ferramentas também têm sido utilizadas para espalhar desinformação e privilegiar interesses econômicos particulares.“A desinformação só acontece porque temos uma promoção paga de conteúdo. Não temos transparência na forma como as plataformas funcionam, não sabemos como os algoritmos são organizados para oferecer ou não um conteúdo. Todos esses elementos mostram que é um espaço em disputa. Não é apenas um suporte, pelo contrário. É um espaço organizado por grandes corporações”, reitera Martins.
Para ilustrar ilustrar como ferramentas consideradas inofensivas são uma ameaça e não podem ser ignoradas, Comunicações em Tempos de Crise cita ainda uma frase de Edward Snowden, ex-analista da Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) que tornou públicos detalhes sobre os sistemas de vigilância do governo estadunidense sobre os cidadãos.“O Facebook é uma ‘empresa de vigilância’. Os negócios que fazem dinheiro com a recolha e venda de registos detalhados de vidas privadas foram, em tempos, descritos claramente como ‘empresas de vigilância'”, disse Snowden no Twitter.Helena Martins ecoa a análise de Snowden denuncia o processo de “datificação” – recolhimento de dados pessoais em massa – que ocorre em todo o mundo.“Temos uma sociedade que caminha cada vez mais para ser vigiada o tempo todo, permanentemente, a partir da tecnologia. São tecnologias de reconhecimento facial, câmeras espalhadas nas cidades e, ao mesmo tempo, é uma sociedade que não tem saneamento básico. As escolhas do que desenvolver ou não são escolhas políticas”, frisa. A autora pondera, no entanto, que a batalha pela democratização da comunicação na mídia hegemônica e tradicional, impetrada por organizações como o coletivo Intervozes e o Fórum Nacional de Democratização da Comunicação (FNDC), não pode ser deixada de lado.“Não podemos pensar que a agenda de democratização da comunicação e da radiodifusão estão superadas. Pelo contrário, se mantém de uma forma firme e forte na sociedade e se alarga para novos meios”, diz, destacando a importância da disputa dos espaços na internet. “Não dá pra pensar transformação social que não passa pela batalha da comunicação, que se mostra cada vez mais presente e intensa”, ressalta.
Já a obra Dialética do marxismo cultural, de Iná Camargo Costa, professora aposentada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), resgata os usos históricos do termo.Segundo ela, a expressão foi historicamente propagada pela extrema direita de forma pejorativa contra a esquerda. “‘Marxismo cultural’ é atualização da expressão ‘bolchevismo cultural’ inventada pelos nazistas, a começar pelo próprio Hitler. Depois ela apareceu nos Estados Unidos e a extrema direita brasileira a importou”, explica.A autora afirma que o livro, vendido há apenas R$3 no site da editora Expressão Popular, desvenda a falácia e o uso impróprio do termo, geralmente apresentado de maneira vaga e descontextualizada.“A operação começou com os nazistas que, de saída, abarcaram sob a expressão ‘bolchevismo cultural’ toda a produção literária e artística moderna: expressionismo, dodecafonismo, cubismo – tudo passou a ser classificado como ‘bolchevismo cultural’ e também como ‘arte degenerada’”, complementa.Iná diz ainda que os adeptos ao combate ao “marxismo cultural” continuam a fazer a mesma coisa, a exemplo da perseguição dos Estados Unidos à atriz Katharine Hepburn, que não era nem mesmo socialista.Ela acredita que o uso do termo aumentou principalmente após a vitória de Bolsonaro em 2018, que alavancou esse processo por meio das redes sociais e do YouTube. “O combate ao ‘marxismo cultural’ faz parte do programa oficial dele, que o americano Steve Bannon ajudou a escrever. Quanto à ‘absorção passiva’ desta pauta, minha tendência é atribuí-la à ignorância generalizada, tanto dos adeptos da causa, quanto dos que nem sabem do que se trata.”Na avaliação de Iná, a publicação do livro mostra como é possível lidar com esse tipo de argumentação e reforça a importância de esclarecer a origem e uso histórico do termo. Para participar do Clube do Livro e receber essas e outras obras mensalmente, acesse o site da editora Expressão Popular.
______________________Brasil de Fato / Texto: Lu Sudré
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