Por Leila Kiyomura / Jornal da USP
Glauber Rocha continua, 38 anos depois de sua morte, como um cineasta e pensador atemporal. O baiano de Vitória da Conquista atravessa a história do cinema mundial como uma referência para os jovens cineastas, escritores, críticos e artistas. Refletiu e discutiu as questões sociais, políticas, filosóficas e culturais em sua filmografia e nos incontáveis artigos publicados em jornais do Brasil e de outros países.É essa vasta obra como escritor e crítico ainda inédita em livro no Brasil que Mateus Araújo, pesquisador e professor de Departamento de Cinema, Rádio e Televisão da Universidade de São Paulo, resgata e organiza em Glauber Rocha: Crítica Esparsa (1957-1965) e Glauber Rocha: O Nascimento dos Deuses. Os dois livros estão sendo lançados pela Fundação Clóvis Salgado, de Belo Horizonte, e disponibilizados em versão digital para download gratuito ( http://fcs.mg.gov.br/noticias/lancamento-dos-livros-da-mostra-glauber-kynoperzpektyva18/).Com essa iniciativa, a Fundação Clóvis Salgado tem como meta propiciar o acesso aberto à informação e à cultura, promovendo o conhecimento da obra de Glauber Rocha e a história do cinema brasileiro. As publicações propiciam um mergulho no universo glauberiano incentivando novas pesquisas através de textos que ainda não foram disponibilizados em livros tanto no Brasil como no exterior.
Até onde conseguimos apurar em nossa última rodada de pesquisas, o cineasta é autor de mais de mil publicações…
Para o livro Crítica Esparsa (1957-1965), o professor Mateus Araújo selecionou 30 textos que não foram incluídos em publicações glauberianas anteriores como Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, Revolução do Cinema Novo e O Século do Cinema. “Os artigos que selecionamos ajudam a enriquecer os conjuntos de textos que compuseram tais livros e, quem sabe, a perceber eventuais decisões teóricas que, para além das circunstâncias práticas ajudaram a reger sua organização – que os deixou de fora.”
.Araújo pesquisou mais de mil publicações do cineasta. “Entre as quais estão 16 livros, cerca de 650 artigos e quase 300 entrevistas, muitas das quais em outras línguas”, esclarece. “A elas, deve-se ainda acrescentar mais de 200 traduções estrangeiras, devidamente indicadas em nosso levantamento bibliográfico, mas não contabilizadas aqui como itens autônomos, pois preferimos considerá-las desdobramentos dos seus respectivos itens originais.”O organizador observa que essas publicações integraram jornais, revistas e livros brasileiros, franceses, italianos, ibero-americanos e anglo-saxões. “Neste conjunto, encontramos textos de natureza, propósitos e tamanhos variadíssimos, num arco que vai de notinhas ou declarações breves a ensaios longos.”.
O polêmico e último filme A Idade da Terra (1980), que Michelangelo Antonioni definiu como uma lição do cinema moderno…
O leitor deve se preparar para os textos e reservar boas horas e dias para conhecer, sob o olhar de Glauber Rocha, o cinema mexicano, francês, italiano, cubano, norte-americano e também a revolução do Cinema Novo. E há de entender que a grandeza de Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) até o polêmico e último filme A Idade da Terra (1980), que Michelangelo Antonioni definiu como “uma lição do cinema moderno”, têm a sensibilidade e a genialidade de quem buscou entender o ser humano na dimensão do mundo.As lições de Glauber continuam atuais. Um bom exemplo está no artigo publicado em 12 de março de 1961, no Jornal do Brasil. O título é Arraial, Cinema Novo e Câmara na Mão. O cineasta defende: “O cinema novo brasileiro não quer coprodução, não quer empréstimos caudalosos, não quer distribuição compulsória. Se a boa-fé de Flávio Tambellini deseja ajudar os novos cineastas brasileiros, pense no seguinte: Documentários para os jovens, com inteira liberdade de criação…”O cineasta defendia o valor da criatividade: “Queremos um crédito de confiança, ainda que não seja movido pela crença no talento, pelo menos o seja pela simpatia original que cada homem civilizado possa ter por esta verdade desmoralizada pelo romantismo: a juventude acesa para o trabalho” . E assinalava: “Não desejamos nada mais. E, caso não apareçam imediatamente estas ajudas – de elementos que existem e não precisam ser importados –, vamos fazer nossos filmes de qualquer jeito: de câmera na mão, de câmera 16 mm (se não houver, 35 mm); improvisando nas ruas, montando material já existente…”.
Em agosto de 1973, tateando ocasiões de trabalho em meio a dificuldades materiais da vida no exílio…
.O segundo volume, O Nascimento dos Deuses, é publicado no Brasil pela primeira vez. Foi escrito em italiano por Glauber Rocha e publicado em 1981 pela Editora RAI, na Itália, que parte dos manuscritos do roteiro do autor. A tradução é do pesquisador Jacyntho Lins Brandão, escritor e professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais. “Busquei ser fiel não só ao conteúdo do texto como também ao estilo de Glauber Rocha, que tem como peculiaridade seguir a velocidade do pensamento e da imaginação”, explica Brandão.O organizador Mateus Araújo conta como surgiu o roteiro para o filme agora apresentado em livro no Brasil. “Em agosto de 1973, tateando ocasiões de trabalho em meio a dificuldades materiais da vida no exílio, Glauber Rocha recebe uma proposta do canal de televisão italiano da RAI para fazer um filme histórico a partir da Ciropédia e da Anábasis de Xenofonte, no rastro de filmes ambientados na antiguidade que Rossellini e outros cineastas de ponta já vinham fazendo na Itália. Conversa vai, ajuste vem, ele conta ter estudado um pouco a história antiga, e chega a escrever nos cinco primeiros meses de 1974 um roteiro intitulado O Nascimento dos Deuses (La Nascita degli dei) para um filme de seis horas.”O longa-metragem nunca chegou a ser gravado. O roteiro foi publicado em 1981, pouco tempo antes de Glauber Rocha morrer. O texto permaneceu esquecido..
Para o download gratuito da versão digital dos livros Glauber Rocha: Crítica Esparsa (1957-1965) e Glauber Rocha: O Nascimento dos Deuses, organizados por Mateus Araújo e publicados pela Fundação Clóvis Salgado, acesse o site:
________________________Jornal da USP / Por Leila Kiyomura
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