Quando Milton P. pediu para eu tirara a piscina do projeto de sua casa, tentei argumentar que a temperatura média da região exigia aquele item que não era preciosismo nem exagero, mas necessidade. O professor escutou a minha fala e disse que o custo de uma piscina incluía comida e bebida para vizinhos, convidados, amigos e outros excessos.
Fiz o projeto arquitetônico da casa do professor Milton P., que ficou pronta seis ou sete meses depois que a esposa dele, Isadora P., morreu. O meu cliente pensou em vender o imóvel, mas as filhas o convenceram a morar lá, onde, anos mais tarde, elas também iriam viver.
Os trinta graus diários daquela cidade poderiam justificar a minha saída, mas surgiram oportunidades. Mestrado com bolsa e clientes em outra cidade, onde os termômetros registravam, e registram, quatro, cinco graus em média.
O engenheiro civil Celso Z. me convidou para, juntos, criarmos uma empresa e, com a dissertação defendida em uma das mais renomadas faculdade de arquitetura do país, eu disse sim. As relações do meu sócio, maçom, abriram frentes de trabalho e, em uma década, nos tornamos milionários.
Há alguns meses, entramos em uma licitação e foi necessário recuperar documentos e reconhecer firma de assinaturas. Viajei até aquela cidade onde comecei a minha trajetória de arquiteto. Choveu, árvores caíram bloqueando a estrada e permaneci uma semana hospedado no hotel CG.
Fui comprar sal de frutas e, em frente a uma lotérica, uma voz pronuncia:
– André M.?
Era o professor Milton P.
Sorri. Ele também. Seguimos até uma lanchonete e pedimos café.
Ele já está viúvo há duas décadas. Dinheiro, repete, cada vez mais escasso. Agora, os netos e as netas também vivem naquela casa que projetei.
– E o senhor pediu pra eu tirara a piscina, lembra?
Milton P. sorri e diz que nem sabe como aguentou sem piscina em casa nessa cidade de trinta, trinta e cinco, quarenta graus.
– Agora tem uma represa e passou a ventar. Mas, antes, era um calorão só.
Pedimos mais café e o professor me conta que, quando casou, tinha apenas um clube na cidade, “a única piscina”. Ele, outros professores e funcionários públicos tentaram entrar, mas foram recusados com sócios.
– Era o banho da elite. A mesma que está aí até hoje.
Diante da recusa, os professores e os funcionários públicos fizeram uma sociedade para comprar um terreno e construir uma piscina.
– Assim surgiu o Clube dos Papagaios.
– Clube dos papagaios?
– Fizemos papagaio no banco.
– Papagaio?
– Um empréstimo, sabe?
Milton P. bebe um gole de café, fica em silêncio e abaixa a cabeça.
– Até que começaram as brigas.
Os sócios, diz o professor, deixaram de pagar a mensalidade, as dívidas aumentaram e um dia oficiais de justiça fecharam o clube.
– Foi a melhor fase da minha vida.
O professor conta que, após voltar do trabalho, levava a esposa e os filhos no clube dos papagaios e eles se refrescavam na piscina.
– Era uma festa.
Ele insiste em dividir, mas pago a conta e digo que é um prazer reencontrá-lo. Caminhamos até um ponto de ônibus e Milton P. comenta que, se eu retornar a cidade, poderíamos nos ver de novo.
– É muito bom conversar com você, André M.
O ônibus chega, aceno, o professor também e tenho a impressão de que nunca mais verei Milton P. (FIM)
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