Alexandre Gaio*
Somos mais de 150 milhões de brasileiros vivendo na abrangência do bioma Mata Atlântica e devemos ter a clara percepção de que há uma relação de dependência da sua preservação com a defesa da vida e da dignidade humana.
Cientes da sua quase completa destruição “a ferro e fogo”¹ promovida durante os diversos ciclos econômicos ocorridos no Brasil desde a chegada dos europeus, não há outra decisão a ser tomada, seja no campo legal, seja no campo ético, quanto ao destino dos poucos remanescentes de vegetação nativa do bioma Mata Atlântica que, mesmo dispersos e fragmentados, ocupam aproximadamente 12% da sua formação original: a sua integral conservação e a adoção de medidas para a paulatina recuperação de áreas degradadas.
Além de milhares de espécies da fauna e da flora que possuem a sua sobrevivência umbilicalmente dependente da conservação dos poucos remanescentes de vegetação nativa, não se pode olvidar as diversas e indispensáveis funções socioambientais que esses remanescentes exercem, beneficiando direta e indiretamente toda a população brasileira, desde o controle do equilíbrio climático e dos eventos naturais extremos, a promoção da estabilidade do solo e da contenção das erosões e de inundações, a proteção da qualidade do ar e do fomento do conforto térmico, até o fornecimento da água, que é a substância dotada de maior essencialidade para a manutenção da vida e das próprias atividades econômicas.
A conservação da Mata Atlântica deve assumir, assim, papel central na tomada de qualquer decisão administrativa, judicial, legislativa e política. Não é a toa que o legislador constitucional previu a incumbência do Poder Público em preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais para a efetivação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e futuras gerações² e que o legislador infraconstitucional estatui como princípio do regime jurídico do bioma Mata Atlântica a manutenção e recuperação da sua biodiversidade, vegetação, fauna e regime hídrico³.
Também decorrente da aplicação dos próprios princípios da proporcionalidade e razoabilidade, o comando de conservar os remanescentes de vegetação do bioma Mata Atlântica é bem ilustrado a partir da regra de que “os novos empreendimentos que impliquem o corte ou a supressão de vegetação do Bioma Mata Atlântica deverão ser implantados preferencialmente em áreas já substancialmente alteradas ou degradadas”⁴.
Importante destacar que a especialidade da legislação protetiva da Mata Atlântica impõe a sua prevalência sobre dispositivos conflitantes do Código Florestal, o que inviabiliza qualquer pretensão de anistia a desmatamentos não autorizados. Diante deste cenário, os Ministérios Públicos Estaduais e o Ministério Público Federal têm adotado providências para garantir a não aplicação do entendimento contido no Despacho 4.410/2020, recentemente emitido pelo Ministério do Meio Ambiente, que prevê a possibilidade de aplicação de dispositivos do Código Florestal relacionados à consolidação de ocupação de Áreas de Preservação Permanente, cujas vegetações foram ilegalmente suprimidas.
O que se espera, por ocasião da lembrança do Dia Nacional da Mata Atlântica, é a adoção de medidas pelo Poder Público, com a colaboração da sociedade, para garantir a conservação e sobrevivência desse bioma, e não o afrouxamento das suas regras protetivas.
Neutralizar os índices de desmatamento ilegal, que lamentavelmente persistem no Estado do Paraná, realizar continuamente Operações como a Mata Atlântica em Pé para buscar a reparação integral dos danos ambientais, e zelar pela não ocorrência de retrocessos na aplicação da legislação ambiental são iniciativas necessárias e importantes que o Ministério Público deve adotar para a defesa desse bioma tão ameaçado.
¹ Expressão usada por Warren Dean. ² Artigo 225, § 1º, inciso I, da Constituição da República. ³ Artigo 7º, inciso I, da Lei Federal 11.428/2006. ⁴ Artigo 12 da Lei Federal 11.428/2006.
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