O ator Hilton Cobra, no monólogo apresentado pelo SescSP. (Foto: Kaian Alves)
O monólogo Traga-me a Cabeça de Lima Barreto! teve apresentação inédita online, ao vivo e gratuita na noite do domingo (12), às 21h30, no perfil @SescAoVivo no Instagram e na página do SescSP no YouTube, dentro do projeto #EmCasaComSesc. A peça está há três anos em cartaz, foi assistida por mais de 20 mil pessoas em diferentes cidades do Brasil e agora tem a possibilidade de chegar a um público ainda maior. Está a disposição do público, gratuitamente, com restrição de idade.
A apresentação foi feita no endereço do ator Hilton Cobra, em Santa Teresa, no centro do Rio de Janeiro, bairro onde se concentra grande população de profissionais da cultura e da arte, cercado por comunidades de favela. Escrita pelo diretor e dramaturgo Luiz Marfuz, especialmente para comemorar os 40 anos de carreira do ator Hilton Cobra, com direção de Onissajé (Fernanda Júlia), a peça mostra uma imaginária sessão de autópsia na cabeça de Lima Barreto, conduzida por médicos eugenistas, defensores da higienização racial no Brasil, na década de 1930. O propósito seria esclarecer “como um cérebro considerado inferior poderia ter produzido uma obra literária de porte se o privilégio da arte nobre e da boa escrita é das raças tidas como superiores?”. A partir desse embate, a peça mostra as várias facetas da personalidade e da genialidade de Lima Barreto, refletindo sobre loucura, racismo e eugenia, a obra não reconhecida e os enfrentamentos políticos e literários de sua época.
A narrativa ganha força com trechos dos filmes “Homo Sapiens 1900” e “Arquitetura da Destruição”– ambos cedidos gentilmente pelo cineasta sueco Peter Cohen – que mostram fortes imagens da eugenia racial e da arte censurada pelo regime hitlerista. O cenário, de Marcio Meirelles – um manifesto de palavras – contribui para a força cênica juntamente com o figurino de Biza Vianna, a luz de Jorginho de Carvalho, a direção de movimento de Zebrinha, a música de Jarbas Bittencourt e a direção de vídeos de David Aynan. Os atores Lázaro Ramos, Caco Monteiro, Frank Menezes, Harildo Déda, Hebe Alves, Rui Manthur e Stephane Bourgade – todos amigos e admiradores do trabalho de Cobra, emprestam suas vozes para a leitura em off de textos de apoio à cena.
Hilton Cobra, que criou a Cia dos Comuns em 2001, com o propósito de trazer à cena uma cosmovisão artisticamente negra especialmente no âmbito das artes cênicas, fala da motivação para encenar Traga-me a cabeça de Lima Barreto!: “É importante e providencial discutir eugenia e racismo a partir de Lima Barreto nesses tempos de pandemia, onde a população negra é a mais atingida e de amplo debate sobre racismo, principalmente depois que George Floyd”, lembra, referindo-se ao soldado negro norte-americano, foi assassinado em Minneapolis, no dia 25 de maio de 2020 (dia em que se celebra o dia de África), estrangulado por um policial branco que ajoelhou-se em seu pescoço durante uma abordagem por supostamente usar uma nota falsificada de US$ 20.
Cobra afirma ainda que “também é um reconhecimento à Lima – um autor pisoteado, injustiçado, que abriu na literatura brasileira ‘a sua pátria estética’, os pisoteados, loucos, os privados de liberdade. Acredito que ele deve ter sido, se não o primeiro, um dos primeiros autores brasileiros que colocaram esse ‘submundo’ em qualidade e com importância dentro de uma obra literária. É bom ressaltar que como George Floyd, Lima Barreto nunca conseguiu respirar livremente, mas ainda assim produziu uma das obras mais geniais e consistentes do Brasil pós-império”, considera.
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