Acho que todo biólogo “das antigas” teve vontade de ter/dirigir uma Toyota Bandeirante. Eu tinha. Bom, depois de 4 anos dirigindo duas bem lascadas pela caatinga, meu sonho mesmo era ter um Vectra (como eu disse, coisa das antigas), mas isso é outra história. Mas eu AMO Toyota Bandeirante. De paixão! Quer me deixar feliz, me dê uma para dirigir…na lama!
Aquilo não é um carro, é uma força da natureza com 4 rodas que tornou possível desenvolver muitos projetos de conservação.
Quando mudei para Curaçá, eu nunca tinha dirigido uma. Os olhinhos brilharam quando vi que o Projeto Ararinha-Azul tinha duas! Bom…juntando não dava uma e meia, mas isso era só um detalhe. Elas quebravam tanto que aprendi um monte de coisas sobre mecânica. Quando levava na concessionária (um luxo eventual, pois a maioria dos consertos eram feitos mesmo no improviso), às vezes eu entrava embaixo da Toyota com o mecânico e pedia para ele me ensinar porque provavelmente ela ia quebrar quando eu estivesse sozinha no meio do nada e anoitecendo! Tem tanta história envolvendo esses carros do Projeto que só elas renderiam um livro.
Bom, mas minha primeira experiência dirigindo o carro dos sonhos foi totalmente traumática.
Maravilha para quem nunca dirigiu o carro, né não? Pois voltando do aeroporto, em uma avenida super movimentada e de alta velocidade, a marcha não entrou mais…..eu entrando em desespero, tentando e nada…o carro começando a perder a velocidade, carros buzinando atrás, eu quase tendo um treco e nada….no auge do desespero, pisei na embreagem e empurrei a alavanca do câmbio com toda a força que eu tinha (sabe, eu tenho histórico de atleta), tentando colocar a terceira marcha.
Daí ouvi um “tec” (ou algo parecido), e a alavanca de câmbio (que é beeem longa na Toyota Bandeirante), de repente ficou solta….eu tinha conseguido quebrar aquele treco NA BASE!!!!!
Bom, desespero nível mega blaster! Consegui parar no acostamento, chorei 5 litros e pensei o que fazer??? Não existia celular na época…eu não conhecia a cidade…não conhecia ninguém. Atravessei a avenida chorando, entrei em um galpão onde os homens já tinham mesmo parado para ver a cena, expliquei a tragédia e eles ligaram para a concessionária.
Chegou o reboque, o Gonçalo (que virou parça) olhou e disse: Meu Deus…eu NUNCA vi ninguém conseguir quebrar uma alavanca de câmbio desse jeito. O que me fez começar a chorar de novo, e pensar como diabos eu ia explicar para o Marcos que eu fiz aquilo….ele ficou tocado com meu queixo tremendo e lágrimas escorrendo, e disse “calma, isso acontece..”, e eu aos prantos “não acontece não, você acabou de falar que nunca viu isso”.
Enfim, claro que na concessionária não tinha a peça, porque afinal, NINGUÉM NUNCA ANTES quebrou aquela merda. Eles fizeram uma gambiarra, soldaram com uma barrinha de ferro, arrumaram o que estava quebrado que impedia de trocar marchas. O assistente do projeto, que naquela altura conseguiu chegar na concessionária disse que era melhor ele voltar dirigindo. E eu disse que só sob o meu cadáver, porque se com o medo que eu estava de quebrar de novo eu deixasse ele dirigir, nunca mais eu ia ter coragem de pegar aquele carro de novo. Fui para Curaçá com vários medos: de quebrar de novo na estrada, da reação do Marcos quando descobrisse e do furdunço que ia ser na cidade quando as pessoas soubessem. Na estrada fui relaxando e pensei: ah, “magina”….isso aconteceu em Petrolina, ninguém em Curaçá vai ficar sabendo, está tudo certo, quando o Marcos voltar eu explico para ele direitinho, sem estardalhaço.
Cheguei em Curaçá, estacionei o carro na frente da casa do Marcos e em um minuto chegou o Ceceu, que deu aquele sorriso debochado e disse, acabando com as minhas ilusões: “E aí, BATGIRL! Que força, hein! Então você quebrou a alavanca de câmbio desse carro, não foi? Marcos já sabe?”
Lindeza.
(fim)
Leia também: Conto 1 – Curaçá
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