I
digam que, pelo tempo que é rápido, / tudo pertence ao que está por vir / que o dominador vil e pálido/ também pode morrer como o dominado….
(Louise Michel, poeta francesa que viveu cerca de 75 anos, entre 1830 e 1905).
havia muito pó/ em tudo o que se tocasse/mas o pó nem sempre/ é sinônimo de desleixo / às vezes é apenas indício/ de que faz tempo/ que a memória/ anda preguiçosa… mas nem sempre/ preguiça é sinônimo/ de desleixo/ às vezes é apenas/ uma forma de se dizer/ que o tempo pode/ passar lento/ ou mesmo não passar…// havia pó até no poema/ aquele antigo/ aquele de sempre/ aquele escrito para sempre/ e sempre/ por ser sempre/ por mais pó que tenha/ sempre será..// mas pó/ por ser pó/ um simples sopro/ faz com que deixe/o que está cobrindo/ e o sopro da memória/ mostra o poema nu/ sem ter como defender-se/ então apenas mostra-se…// sem pó o poema revive/ abre suas velas/ sai do porto/ navega em sonhos/ voa nos mares/ atravessa tempestades/ cria calmarias /e volta a atracar…// sem o pó/ o poema e o velho/ retomam a antiga cumplicidade/ voltam a ser/ companheiros de viagem/ deixando o leme ao norte/ ao sopro dos ventos/ ao sopro das paixões…
II
a hora da partida soa quando / escurece o jardim e o vento passa, / estala o chão e as / portas batem, quando / a noite cada nó em si deslaça…
(Safio Breyner, poeta portuguesa que viveu cerca de 85 anos, entre 1919 e 2004).
aquela tarde não havia nenhum vento/ A Imobilidade das folhas/ era quase uma fotografia,/ congelada/ inerte…/ dizer que o tempo se arrastava/ seria contraditório/ pois mesmo o arrasto/ traz algum movimento/ e a impressão que se tinha/ era que não existia o tempo/ ou, se existisse/ não estava ali/ brincava em outro canto qualquer…// nem a imaginação/ que sempre está em movimento/ mesmo quando estamos inertes/ dava sinal de vida//… virei pedra! temeu…// para as pedras/ que são eternas/ o mundo deveria ter esta configuração/ pensou…// a ausência era tão grande/ que se poderia tocar um grão de pó/ flutuante e iluminado pela luz/ como se fosse uma galáxia inteira/ mas o toque já seria um movimento/ e naquele momento inexistente/ estava propenso/ a não se voltar ao macro das galáxias/ e sim ao micro da folha/ parada/ calma/ concentrada em seu verde fotossintético…// e depois de uma fração de segundo/onde nada existiu/ uma tropa de moleques e molecas/ passou voando de fronte aos seus olhos/ numa gritaria ensurdecedora/ e ele pode identificar sua menina/ em meio a tantos iguais/ e um alívio percorreu sua espinha/ não era pedra afinal/ no mínimo reino vegetal lhe abria as portas/ pois viver é gerar/ seja o que for…/ mesmo o mínimo movimento // e o tempo voltou andar…/ e já era tarde… /e já estava atrasado…
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