Arte: “Roda de Samba” – Carybé
. Há registros de que a palavra samba era utilizada em diferentes lugares das Américas, dizendo respeito ao universo dos negros, sobretudo, a danças em roda. A palavra se popularizou no final do século XIX no Rio de Janeiro após a imprensa utilizá-la para associar a manifestações culturais populares.
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Apesar de ser considerada por alguns como um maxixe, “Pelo Telefone” foi gravado no ano de 1917 na voz de Baiano e é tido como o primeiro samba registrado da história. Assim, principia o marco do samba como gênero musical para a indústria fonográfica. A composição é atribuída a Donga e Mauro de Almeida, e o processo de criação está associado à Tia Ciata, considerada por muitos como a representante mais influente para o surgimento do samba, baiana, empreendedora, candomblecista, fomentadora cultural do Rio de Janeiro no séc. XX.
Após a popularização do samba por teatros de revista, rádios, carnavais e pela própria indústria cultural, as transformações e suas diversas vertentes foram ganhando notoriedade. Por fim, no governo populista do Estado Novo de Getúlio Vargas, o samba carioca foi instituído como um dos símbolos da identidade brasileira.
. “A construção do estado-nação é uma estrutura política com traços culturais associados à ideia de identidade. Quando a gente fala de identidade nacional brasileira, precisamos entender que essa ideia vem procurando ser construída desde o século XIX, por diversos atores intelectuais.
A identidade nacional é uma fabricação, porque os próprios estados-nação, surgem a partir de interesses políticos específicos.” Pontua Pedro Amorim, músico e pesquisador.
O samba não é uma categoria homogênea. Existem vertentes que foram desenvolvidas com o tempo, de acordo com cada localidade a qual pertence. Existem o samba de roda, samba-chula, samba corrido, o coco, o partido alto, o pagode, samba de breque, o samba-enredo, o samba-canção, que se caracterizam pelo contexto o qual está inserido, além da forma de tocar, de compor e da formação instrumental.
Compreender o que se constitui como identidade cultural exige um mergulho na história do país em seus aspectos políticos, sociais e culturais. Aqui, trouxemos uma pequena dose de acontecimentos e construções ideológicas que fundamentaram as relações sociais no Brasil, e influenciaram o que foi se convencionando no tempo como identidade nacional.
“Existiam vários tipos de músicas que eram populares na época, como o maxixe, as modinhas, gêneros mais sertanejos, enfim… mas o samba foi escolhido para simbolizar a identidade nacional. Envolve duas coisas, precisamos olhar para a dinâmica da formação brasileira, e outra, que entra em um terreno especulativo porque a gente não vai ter dados, que é como acontece a transmissão da música popular, que é sempre oral. É difícil entender como um gênero influencia o outro, ou como um gênero vira outro. A não ser que pessoas que vivenciaram isso estejam vivas e possam trazer essas narrativas. Outro ponto importante que vale a pena ser dito, é que, na época, a cidade do Rio de Janeiro era a capital federal do Brasil. Então, tudo que aconteceu ali foi sintetizado como “Brasil”.” Comenta Pedro Amorim (**).
Independente de onde seja, o samba, originalmente, é uma manifestação cultural de pessoas pretas e marginalizadas. Com o advento do nacionalismo, as narrativas que os compositores traziam nas suas canções se destacavam por abordarem a malandragem, a reafirmação laboral, e a exaltação aos bens naturais. As temáticas colaboraram para a construção subjetiva do que é ser brasileiro, e foram estrategicamente veiculadas pela mídia a partir do interesse ideológico em voga.
No limite, temos como destaque a performance da Carmen Miranda, que alcançou o estrelato e carreira internacional levando o samba para os estúdios da Broadway, considerada por alguns como “a embaixatriz do samba”, e por outros, instrumento político de Getúlio Vargas, para alinhar seus interesses com os EUA. Bem como o personagem do Zé Carioca, construído por Walt Disney para representar a malandragem carioca e o “jeitinho brasileiro”, vendendo a ideia de brasilidade que ainda é muito reproduzida.
Existem diversas abordagens possíveis para falar e ler sobre a ascensão do samba, mas não podemos deixar de escutar a vasta e rica obra que os músicos brasileiros produziram durante essa trajetória. Temos os cariocas Cartola, Arlindo Cruz, Beth Carvalho, Ivone Lara, Paulo César Pinheiro; os paulistas Demônios da Garoa, Sombrinha, Adoniran Barbosa; os baianos Dorival Caymmi, João da Baiana, Riachão, Batatinha, Nelson Rufino, Mariene de Castro; os mineiros Ary Barroso, Clara Nunes, a maranhense Alcione, e vários outros.
O samba é brasileiro e isso é incontestável.
. (**) Pedro Filho Amorim é compositor, artista intermedia, pesquisador e educador. Colabora com vários artistas em projetos que envolvem música e artes expandidas. Professor do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias Aplicadas da Universidade Federal de Recôncavo Baiano (CECULT – UFRB). Coordena o projeto de pesquisa interdisciplinar “Ritmos Humanos e Mundanos”.
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