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Os não-leitores, ou seja, os brasileiros com mais de 5 anos que não leram nenhum livro nos últimos três meses, representam 48% da população, o equivalente a quase 100 milhões de pessoas, segundo dados da edição de 2020 da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil.
No Dia do Leitor, celebrado nesta sexta-feira (7), o jornal Brasil de Fato conversou com duas donas de livraria sobre a cultura da leitura no país. De forma uníssona, elas apontaram que a interpretação desses números não pode condenar o Brasil ao rótulo de país não-leitor. Nesta página, reproduzimos na íntegra o artigo .
“Eu acredito que todos nós somos leitores. Porém, a gente precisa desenvolver um hábito de ler livros, porque a gente lê o tempo inteiro. A gente lê as placas, a gente lê os posts nas redes sociais, a gente lê jornal… Mas, realmente o volume de pessoas que leem livros ainda é baixo”, disse Monica Carvalho, proprietária da Livraria da Tarde, na zona oeste de São Paulo.
“A gente tem que parar também de ficar repetindo de que o Brasil não é um país leitor. O Brasil tem um potencial muito grande de leitura. A gente não tem investimento nessa área, mas, mesmo sem investimento, existe um público leitor”, afirmou Leticia Bosisio, sócia da Janela Livraria, sediada no Rio de Janeiro (RJ).
Em seus depoimentos, as livreiras apontaram caminhos possíveis para reverter o cenário e valorizar a cultura da leitura no país. Monica e Letícia destacaram a importância das políticas públicas para formação de leitores.
Entre os caminhos apontados por elas para fazer do Brasil um país com mais leitores, estão a acessibilidade das bibliotecas, a formação de professores e novos fenômenos, como os booktubers (produtores de vídeos na internet sobre livros).
. “Todos nós somos leitores”, por Monica Carvalho
“Hoje é o dia do leitor e a gente vive aqui num país que tem uma crença de que é um país de não leitores. Eu não concordo muito com isso. Eu acredito que todos nós somos leitores. Porém, a gente precisa desenvolver um hábito de ler livros, porque a gente lê o tempo inteiro. A gente lê as placas, a gente lê os posts nas redes sociais, a gente lê jornal… Mas, realmente o volume de pessoas que leem livros ainda é baixo.
A gente precisa cada vez mais incentivar para que as pessoas leiam, porque a leitura é um ato político, é um ato ativo. Muita gente acha que é um ato individual e eu não acredito que seja um ato individual. Cada vez que a gente lê um livro, a gente é tocado por ele e a gente quer conversar com as pessoas sobre ele, a gente comenta sobre esse livro.
Eu acredito fortemente que para formar novos leitores a gente precisa ter cada vez mais exemplos dentro de casa. Os pais que querem ter filhos leitores precisam ser pais leitores. A gente precisa ter biblioteca e livrarias acessíveis e convidativas para que as pessoas, de fato, frequentem esses espaços.
A gente precisa ter ações, como a gente teve um tempo atrás uma novela que falava sobre livros, que tinham um personagem apaixonado por livros, que era o Antônio Fagundes, ele foi um grande propulsor de novos leitores.
Hoje a gente tem as redes sociais, os booktubers, os influenciadores que incentivam as pessoas a ler. Isso é fundamental.
Da nossa parte como livraria, uma das ações estratégias que a gente tem para formar novos leitores é o nosso clube de leitura. A gente tem um clube de leitura mensal e eu acredito fortemente na importância no poder dele como formador de novos leitores. Por meio do clube de leitura você seduz as pessoas a lerem, porque elas vão compartilhar suas leituras, as suas experiências, as suas vidas. Eu brinco que o nosso clube acaba sendo quase que terapêutico cada vez que a gente se encontra.
E a gente tem esse grupo há mais de um ano. Tem pessoas que frequentam desde o primeiro encontro e não faltam. A gente não para. Ele vai de janeiro a dezembro e sempre está todo mundo lá.”
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“Ler é refletir sobre o outro e sobre si mesmo”, por Leticia Bosisio
. “Como leitora, eu acho que o livro tem uma importância em muitas dimensões, tanto individual, quanto coletivo. Individualmente, eu acho que é para um autoconhecimento, para uma exploração de si mesmo através do olhar do outro. Eu acho que isso é fundamental.
Eu sou psicóloga e trabalhei muitos anos com consultório, então eu sempre li muito, literatura, romance… E isso me ajudou a ouvir meus clientes, a compreender, tolerar e lidar com as diferenças. Isso é fundamental tanto para a gente olhar para o outro, que grita na nossa frente, quanto para a gente entender diferentes posições no mundo e diferentes culturas.
Ler é um prazer enorme. A leitura, hoje em dia, é um dos únicos momentos e espaços que a gente tem na vida em que a gente não é absolutamente atropelado por outros estímulos externos. Principalmente, quando você lê um livro físico, que é o que eu leio. Nada contra a leitura digital, que também tem seu lugar. Mas você está ali concentrada, a gente para e vive um momento de relaxamento, de desligamento dos anúncios e propagandas. Ler é um repouso ativo, um momento de reflexão sobre o outro e sobre si mesmo.
Pensando no coletivo, há a questão do conhecimento, da tolerância, do entendimento, da informação, da análise crítica sobre as coisas, do distanciamento, da construção de ideias.
A leitura é fundamental para a educação de um país. Não tenho a menor dúvida. Eu até me emociono de falar porque eu acho que realmente o livro e a leitura são fundamentais para um país crescer com bons alicerces de compreensão, com um entendimento do mundo, de inovação…
Eu espero que o Brasil, sim, se torne cada vez mais um país de leitores. Acabamos de sair da Bienal do Rio. Foi uma experiência muito rica, com muitas crianças e adolescentes interessados lendo, procurando por livros. A gente tem que parar também de ficar repetindo de que o Brasil não é um país leitor. O Brasil tem um potencial muito grande de leitura. A gente não tem investimento nessa área, mas, mesmo sem investimento, existe um público leitor. Atualmente, existe um público jovem muito interessado, e a gente tem que investir nesse público através das escolas, com a formação de professores que estejam preparados para lidar da melhor forma possível também com os livros e com a leitura.
Um caminho é por meio de projetos como a Bienal, que não precisam acontecer duas vezes ao ano só, mas que podem correr o Brasil, pelo interior, em cidades que não têm acesso a livros, a livrarias. Há uma série de políticas públicas de incentivo à leitura que podem ser feitas.”
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