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Em 1938, Gioconda Mussolini, neta de imigrantes italianos, terminava seus estudos superiores na recém-criada Universidade de São Paulo para se tornar a primeira antropóloga brasileira. Sua vida e obra são objeto de pesquisa do também antropólogo e docente da UNILA Andrea Ciacchi, que pretende publicar a tese de doutorado que Gioconda não conseguiu defender. A entrevista completa sobre o assunto está disponível no programa da série ¿Qué Pasa?, produzida pela UNILA ().Há outros “primeiros” na vida de Gioconda: ela foi aluna das primeiras turmas da USP; uma das primeiras estudantes de classe menos abastada em uma universidade; uma das primeiras brasileiras na docência de ensino superior; e pioneira nos estudos da antropologia do mar e da pesca.O interesse de Ciacchi pela obra de Gioconda Mussolini nasceu no desenvolvimento de uma pesquisa que buscava a reconstrução da linhagem da antropologia do mar e da pesca no Brasil. “Aí comecei a ler mais sobre a trajetória dela. E fiquei bastante surpreso”, diz. “Até agora, juntei um material que ajuda a repensar de forma bem relevante, eu diria, a história da antropologia brasileira.”Gioconda não tinha o perfil de quem faria uma graduação, mas a necessidade de encher as salas de aula da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, rejeitada pela elite paulistana que preferia a medicina, engenharia e direito, abriu caminho para sua formação. A jovem de classe média e professora da rede pública é então convidada a estudar e escolhe o curso de Ciências Sociais. “Ela é uma das protagonistas de um dos grandes movimentos de mudança do caráter do ensino superior brasileiro, onde, pela primeira vez, entra uma camada social para qual não havia sido pensada a universidade.”
Retrato de Gioconda Mussolini (Foto: Andrea Ciacchi )
Os melhores alunos a se formarem na recém-criada USP também se tornaram os primeiros docentes brasileiros que substituíram os estrangeiros que lecionaram para as primeiras turmas. Assim, ela inicia a docência na área das Ciências Sociais, passando depois à Antropologia, e iniciando suas pesquisas de campo em meados dos anos 1940. Nesse caminho, torna-se a primeira professora de Antropologia do Brasil. “Ela faz etnografia numa época em que a etnografia brasileira ainda era muito [verticalizada]. A figura de Gioconda é importante também na sistematização de uma etnografia que eu chamaria hoje de moderna, ou seja, de um encontro de saberes.”Embora existam poucos documentos sobre como foi desenvolvida sua pesquisa de campo com os pescadores de Ilhabela, Ciacchi não tem dúvidas de que ela não teve dificuldades em lidar com o grupo, mesmo sendo uma mulher nos anos 40. “Eu tenho certeza de que ela entrou nas canoas caiçaras com muita desenvoltura, muita tranquilidade, se aproximando e sendo reconhecida pelos caiçaras como alguém em quem eles podiam confiar”, diz.
Para Ciacchi, a importância de Gioconda Mussolini para a antropologia não pode ser medida apenas por sua produção acadêmica, que não foi muito extensa. “Alguém que fica na história da sua disciplina não pertence só, por exemplo, à história da antropologia. Eu diria que pertence a uma história mais ampla, a uma história intelectual mais ampla”, diz, lembrando que, em 1938, Gioconda também participou do Departamento de Cultura de São Paulo – hoje secretaria -, comandada por Mário de Andrade. “É uma virada impressionante na história da cultura brasileira em termos de políticas públicas”, analisa. “A temática popular, antropológica, a etnográfica passam a ser objeto também de políticas públicas da cidade de São Paulo. E Gioconda participa de tudo isso.”Outra contribuição foi a “profissionalização” da antropologia brasileira, destaca Ciacchi. Na época, a antropologia norte-americana influenciava a América Latina quase inteiramente. “Gioconda vai na contramão dessa influência culturalista norte-americana. Ela propõe uma antropologia muito mais ligada à sociologia”, conta.Como pioneira, diz ele, a antropóloga teve de enfrentar muitos desafios, o maior deles reside em questões de gênero, que a deixaram afastada de posições importantes na academia. “Ela teve a carreira trancada porque era mulher no mundo absolutamente masculino.” Depoimentos de amigos e ex-alunos da antropóloga levam o pesquisador a acreditar que Gioconda foi impedida de defender sua tese de doutorado e, assim, de se tornar catedrática. “A história da tese é a parte mais apaixonante talvez de toda essa história”, conta Ciacchi.
Capas de livros de Gioconda Mussolini (Reprodução)
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