Reproduzimos aqui três tópicos do texto “Pioneiros do Turismo Iguaçuense”, escrito por Ottília Schimmelpfeng. Datado de 1970, o texto faz parte do livro “Retrospectos Iguaçuenses – Narrativas históricas de Foz do Iguaçu”, impresso pela Tezza Editores, em 2002.
Cataratas do Iguaçu em 1933. (Foto: Arquivo Cataratas SA)
. “O fragor das águas e a contínua trepidação das portas e janelas não perturbavam o sono, nem a paz que emanava daquele ambiente de pura beleza. O ar se embalsamava de um aroma que se tornou peculiar do lugar. Misturava-se a fragrância da mata, das flores e dos frutos silvestres, o cheiro da terra úmida e do limo das pedras, com o odor de madeira cerrada – o lapacho, o cedro, a cabreuva – e um pouco da grama e da terra pisada, compondo um aroma característico que e aspirava fundo, no contentamento da chegado. Era o Cheiro dos Saltos, como se dizia.” (Otília Schimmelpfeng,
1 – Poor Niágara!
Havia um livro [no Hotel das Cataratas] onde se registravam as impressões dos visitantes, algumas eloqüentes, porém, nenhuma tão singela e significativa, como esta: Poor Niágara!, deixada pela ilustre dama americana, Eleonora Roosevelt.
Um velho inglês, que se dedicava a entomologia, ali permaneceu por longo tempo entregue à caça de borboletas. Depois de classificar e acondicionar aqueles espécimes que dizia ser de rara beleza e originalidade, enviava-se para um museu britânico, ao qual servia.
O encanto se ia apossando do visitante desde que penetrava na estrada de leito plano e alfombrado, que dava acesso às Cataratas. Seu curso ora seguia pela mata ensombrada e úmida, ora se abria na clareira ensolarada de um riacho, como o arroio São João. Ali havia um núcleo colonial, um dos primeiros a se construir aqui, aliás a única povoação existente no percurso. A gente sentia um certo receio ao atravessar aquele tosco pontilhão de madeira com largas fendas. Adiante havia um extenso e frondoso bambual cujos ramos se entrelaçavam sobre a estrada, formando um espesso dossel. Este era o quadro mais pitoresco do trajeto. E o túnel dos bambus tornou-se outro motivo de atração.
2 – Ford ou Chevrolet –
Tão variada e exuberante era o cenário da natureza que o tempo de duas horas de viagem decorria despercebido, mesmo quando se nos deparava o imprevisto de uma pane ou um esvaziamento de câmara de ar – não vamos esquecer que naquela época Foz do Iguaçu já possuía automóvel, Ford ou Chevrolet. O chofer tinha que ser mecânico também para os reparos ocasionais, acrescentando que, para inflar a câmara, tinha de empregar bomba manual. Enfim, era necessário conduzir um arsenal de peças e ferramentas. Em ocasiões de mau tempo, incluía a pá, o facão o e machado, para remover uma arvora abatida pelo vento, ou desencalhar o auto nos atoleiros do acidentado trecho Foz – Guarapuava, de terra argilosa e remexida pelo trânsito geral.
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Banho no rio Iguaçu, à beira das Cataratas, em 1923. (Foto: acervo Josephina Schimmelpfeng Fortes / Rep. Rev. 100 Fronteiras)
Mais tarde a estrada mudou de percurso. Seguiu um traçado pelo setor colonial, obra do saudoso Miguel Matte, o primeiro colonizador desta região, o que fez diminuir um tanto a distância. Contudo, não se afastou dos trechos mais pitorescos, como o túnel dos bambus. Com alguns desvios de ordem técnica, o traçado é o que agora vemos todo em asfalto. É a obra do homem rivalizando com a da natureza.
Neste retrospecto não poderia deixar de lembrar o que representou o extinto Hotel dos Saltos (como se dizia), no meio social da cidade.
Para lá acorriam as famílias em gozo de fim-de-semana. Os dias eram curtos para tantas e oportunas distrações, irmanando aquelas pessoas num mesmo sentimento de alegria e cordialidade.
3 – Noites de luar –
As reuniões no salão consistiam em animadas palestras, jogos de cartas, momentos de música, de dança, ou então, a contemplação à janela, das Cataratas sob o efeito das noites de luar… Pela manhã procuravam o leite ainda quente, recém tirado da única vaquinha que fornecia aquele desjejum. E dizer que lhe servia de estábulo o local destinado às salas de jogo – é ironia mesmo!
Aquela atmosfera agradável e familiar muitas vezes envolvia ao turista que, desde logo, se contaminava da sadia responsabilidade dos recreantes brasileiros. No período de vilegiatura não faltavam, por estes, os banhos no rio Iguaçu, pouco acima das quedas. O local apropriado era um braço estreito, no canal do Floriano, onde as águas se entrechocavam, espumantes, no leito das pedras e iam sossegar num remanso coberto de sombra, onde se aprendia a nadar.
Uma trilhazinha, entre as folhagens das mata, dava entrada ao balneário. Na margem havia uma árvore de porte original estendendo seu ramos sobre a água e proporcionando lugar de descanso, cabide para as toalhas e, muitas vezes, servindo de trampolim. Hoje já não se identifica aquele lugar tão atraente na sua natureza pura e simples. A obra do homem a aprimorou e o quadro apresenta novo aspecto de beleza, emoldurado pela arte da engenharia moderna.
Talvez fosse grotesca a figura daqueles banhistas vestidos de longos pijamas de tons claros, sobre a roupa interior, calçados alpargatas a chapinhar ou a mergulhar no rio numa incessante algazarra.
É justo que seja motivo de riso ver uma fotografia dos veraneantes daqueles tempos, porém, a sua excêntrica indumentária servia de armadura para se defender dos mosquitos bariguis que atacavam em nuvens, cuja picada produzia muita coceira e ferida. Outra ameaça eram as pedras pontiagudas a ferir os pés descalços.
Cataratas do Iguaçu, saltos do lado argentino, 1923 – Foto: reprodução
. Do livro de Ottília Schimmelpfeng, pioneira iguaçuense e filha de Jorge Schimmelpfeng, primeiro prefeito de Foz do Iguaçu, em 1914. Escrito em 1970, texto faz parte do livro “Retrospectos Iguaçuenses – Narrativas históricas de Foz do Iguaçu”, impresso pela Tezza Editores, em 2002. (Recopilado do site H2Foz)
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