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O dramaturgo alemão Bertolt Brecht – Fotomontagem com imagem de Wikimedia Commons por Adrielly Kilryann/Jornal da USP
Um conjunto de valiosas reflexões, práticas e exercícios para atrizes e atores, escrito por um dos maiores dramaturgos e teóricos teatrais do século 20, chega finalmente ao Brasil. Trata-se de Sobre a Profissão do Ator, de Bertolt Brecht (1898-1956), que ganha edição pela Editora 34, com tradução de Pedro Mantovani e Laura Brauer.
Até agora inédito no País, o volume reúne mais de 60 textos escritos pelo nome máximo do teatro épico, responsável por clássicos como Ópera dos Três Vinténs, Terror e Miséria no Terceiro Reich e A Vida de Galileu. Sua publicação original data de 1970, 14 anos após a morte do autor, com organização que ficou a cargo de Werner Hecht, teórico e prático do teatro ligado ao Berliner Ensemble, companhia fundada pelo próprio Brecht.
“Foi um trabalho conjunto que levou alguns árduos anos para ser realizado”, explicam Laura e Mantovani sobre a tradução, em entrevista por e-mail ao Jornal da USP, assinada por ambos. “Como pesquisadores da obra de Brecht, queríamos que a tradução fosse feita com muito rigor para que suas ideias pudessem ser transmitidas do modo mais adequado possível em português. Para tanto, também procuramos dar conta da forma dos textos, e isso não é tarefa fácil, porque Brecht, além de teórico e dramaturgo, é um poeta de altíssimo nível.”
Apresentando textos publicados em vida e outros póstumos, escritos ao longo de vários anos, o livro se organiza em três partes: a arte do ator, descrição do trabalho dos atores e exercícios para atores. Um apêndice reúne fotos do trabalho de Brecht e uma introdução dos tradutores completa a edição.
“Consideramos que o livro é uma grande contribuição para o conhecimento do trabalho de Brecht”, comentam Mantovani e Laura, que falam tanto do ponto de vista de tradutores como de profissionais dos palcos. Professor, pesquisador e diretor teatral, Mantovani é doutor em Filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, tendo realizado pesquisas no Arquivo Brecht de Berlim, na Alemanha. Já Laura é atriz, diretora e professora de interpretação, especializada em teatro político e com estudos na Alemanha sobre o trabalho de direção e atuação de Brecht.
O livro evidencia a falsidade do preconceito de que Brecht não teria se dedicado ao trabalho da atriz e do ator”, explicam os tradutores sobre os méritos da obra. “E ele também contribui para o entendimento de suas propostas de atuação, o que consideramos úteis para a realização de um teatro épico nos dias de hoje. Além disso, os textos sobre atuação permitem compreender melhor a proposta teatral de Brecht como um todo.”
Nascido em Augsburg, Alemanha, em 10 de fevereiro de 1898, Brecht se interessou desde cedo pelas artes, tendo mantido um jornal na escola durante a juventude e escrito poemas. Em Munique, cidade para a qual se mudou em 1917, fez sua estreia como autor com a peça Baal, de 1918. Poucos anos depois, em 1922, recebeu o prêmio Kleist, a maior condecoração literária alemã durante a República de Weimar, por Tambores na Noite.
Buscando novos horizontes, partiu para Berlim em 1924 e dois anos depois publicou o livro de poemas Manual de Devoção. Viveu em situação financeira precária até 1928, quando a Ópera dos Três Vinténs, com músicas de Kurt Weil, se tornou um imenso sucesso de público e crítica, consagrando Brecht como um grande nome de seu tempo.
Foi também na segunda metade da década de 1920 que o autor começou a se interessar pelo marxismo e se aprofundou nas teorias e práticas teatrais de Erwin Piscator. Isso desembocaria no desenvolvimento de seu teatro épico, pautado pelo estímulo ao senso crítico e o distanciamento em relação à ação dramática, como se materializaria em Santa Joana dos Matadouros, escrita entre 1929 e 1931, que só veria os palcos após a morte do dramaturgo.
Capa da edição brasileira de Sobre a Profissão do Ator – Foto: Reprodução
A trajetória de sucesso de Brecht seria estremecida pela ascensão do nazismo, que o obrigou a deixar a Alemanha. A partir de 1933, o autor passou a viver como exilado, residindo, por mais ou menos tempo, em uma série de países: Tchecoslováquia, Áustria, Suíça, França, Dinamarca, Suécia, Finlândia, União Soviética e Estados Unidos. Nesse período, continua produzindo febrilmente, tendo escrito obras como Terror e Miséria no Terceiro Reich, Mãe Coragem e os Seus filhos e A Alma Boa de Setsuan. Nos Estados Unidos, onde se estabeleceu em 1941, experimentou sem sucesso colaborar com roteiros para Hollywood. Foi lá também que escreveu O Círculo de Giz Caucasiano e viu a montagem aclamada de sua A Vida de Galileu.
Brecht voltaria para a Europa em 1947, um dia após seu depoimento no Comitê de Atividades Antiamericanas. Depois de uma estadia na Suíça, fixou-se em Berlim Oriental, em 1949. Lá, fundou com a atriz Helene Weigel, sua companheira desde os anos 1920, o Berliner Ensemble, grupo que viajaria o mundo consagrando sua obra. Morreu em 1956, um ano depois de receber o Prêmio da Paz em Moscou, tendo escrito cerca de 2.300 poemas, 48 peças de teatro, três romances e 230 contos, além de numerosos textos teóricos.
Sobre sua importância, Laura e Mantovani apontam: “Brecht nos permite ter uma visão crítica do teatro no capitalismo e sugere um caminho para a realização de uma cena em conformidade com os interesses daqueles que desejam mudar o atual estado de coisas”.
Sobre a Profissão do Ator, de Bertolt Brecht, Editora 34, 288 páginas, R$ 71,00.
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