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Na semana em que estudantes ingressaram na escola às 8h30, eles apresentaram melhor qualidade do sono e diminuição da sensação de sonolência em sala de aula – Foto: divulgação
. O horário normal de entrada de estudantes naquela escola é 7h30. A pesquisa foi desenvolvida no período de três semanas. Na primeira semana, os estudantes entraram no horário habitual; na segunda semana, atrasaram o horário em uma hora (ingressando às 8h30); e na última semana, retornaram ao horário anterior. Os pesquisadores acompanharam os estudantes durante esse período com a aplicação de questionário e a utilização de um dispositivo de pulso com a função de monitoramento do sono e alteração no humor dos adolescentes.
. Uma das principais conclusões a que chegaram os pesquisadores é que, com a mudança de horários, os estudantes tiveram maior tempo de sono, numa média de 7 horas e 35 minutos. Esse tempo é superior quando comparado ao período em que frequentavam as aulas em horário normal, com o benefício de possibilitar que eles acordassem mais tarde, sem prejuízo para as atividades escolares. Outro fator importante é que não houve diferença no horário de início de sono ao longo das três semanas de estudo. “A principal preocupação das pessoas era que havia a ideia de que os adolescentes passariam a dormir mais tarde. A nossa hipótese inicial era que, realmente, eles poderiam atrasar alguns minutos em média para dormir, porém isso não aconteceu”, relata o professor e um dos autores do estudo, Felipe Beijamini.
Percebemos diminuição do sentimento de raiva e depressão, enquanto há melhora nos sentimentos de vigor e no perfil emocional dos estudantes analisados”
. A pesquisa não avaliou o rendimento escolar, em função de ser realizada em um período muito curto e de não haver métrica anterior que permita comparação. No entanto, no que diz respeito à sonolência, o pesquisador diz que durante a semana de atraso no horário da aula, os adolescentes chegam e saem da escola menos sonolentos. “Eles estão melhores durante todo o período, não sendo um efeito apenas no início da manhã, mas que é persistente ao longo do dia”, relata.
. Para avaliar as emoções, a equipe utilizou duas ferramentas: a primeira é uma escala para diagnosticar ansiedade e depressão e a outra, a respeito do perfil emocional. “Houve melhoras nos resultados fornecidos nos dois parâmetros, percebemos diminuição do sentimento de raiva e depressão, enquanto há melhora nos sentimentos de vigor e no perfil emocional dos estudantes analisados”, destaca.
. Além dos questionários, todos os que participaram da pesquisa utilizaram um aparelho chamado Actímetro, que é semelhante a um relógio e que permite monitoramento contínuo do quanto a pessoa mexeu o punho, quantidade de luz a que está sendo exposta e a variação da temperatura, além de fornecer uma medida objetiva da hora em que se deitou e se levantou, quanto tempo dormiu e quantas vezes acordou naquela noite. É uma forma com validação científica que tem a função próxima do exame de polissonografia, este considerado mais completo, mas que seria inviável para realização com a participação de 48 estudantes.
. Felipe Beijamini afirma que o sono tem uma grande importância para as funções cognitivas, especialmente na fase de adolescência, que são as que envolvem o aprendizado, a habilidade de regular as emoções, de lembrar-se de conteúdos ou gerar soluções para problemas. O sono tem relevância para preparar o cérebro para um novo aprendizado, um novo evento, ou para consolidar aquilo que a gente aprendeu. “Então o indivíduo que não teve a oportunidade de uma boa noite de sono não tem o cérebro em condições apropriadas para aprender e diminui a possibilidade de armazenar, de consolidar aquilo que foi apreendido no dia anterior”, afirma.
. O pesquisador destaca, também, que o sono tem um papel fundamental para a regulação das emoções. “O indivíduo privado de sono tem um pouco mais de dificuldade para lidar com emoções, especialmente em relação à ansiedade e a depressões. Então quando a gente priva as pessoas do sono elas tendem a ficar ansiosas, a aumentar o sentimento de raiva, a resposta ao estresse fica mais dura”, afirma. Para ele, a sonolência consequente da falta de sono impede os alunos de aprenderem e por isso a pesquisa escolheu trabalhar com a faixa etária de adolescentes, que estão nessa faixa de aprendizado.
. Ele explica que no início da adolescência e as mudanças naturais da puberdade ocorre um atraso no horário de dormir, que deve ser considerado como um efeito biológico e não somente uma expressão de revolta que é típico da adolescência. “Quando a gente vai acessar isso em culturas distintas, em que o relacionamento paritário é diferente, a gente observa isso também. Se olharmos adolescentes que moram em casas sem energia elétrica, eles continuam indo dormir mais tarde. E é na adolescência que a gente coloca eles no horário mais cedo na escola”, diz.
. Estudo dessa natureza, para Beijamini, tem uma grande motivação pessoal, visto que esse tema perpassa por seus estudos desde 2006, quando iniciou o mestrado. Na época, junto com seu orientador Fernando Louzada, já havia indícios que indicavam a necessidade de mudar o horário escolar. “Quando conversávamos com as escolas, muita gente achava a ideia muito fora da realidade e a pergunta que surgia era por que não fazer os estudantes dormirem mais cedo, o que é considerado óbvio”, relata ele.
O indivíduo privado de sono tem um pouco mais de dificuldade para lidar com emoções, especialmente em relação à ansiedade e a depressões”
. Um experimento com essa finalidade foi realizado na época, com objetivo de antecipar o horário de dormir dos estudantes, o que pode acontecer por regras parentais ou por educação. Foram dadas aos estudantes informações sobre a importância desse novo movimento de mudança, a partir de um programa de educação que incluía atividades lúdicas, no formato de curso. Eles foram monitorados em relação ao sono antes e depois da aplicação do programa e de acordo com Felipe, o comportamento não mudou. “Chegamos à conclusão de que só com educação não funcionaria. Na mesma época, trabalhamos em parceria com outra Universidade da região Nordeste e o que a gente fazia em Curitiba eles faziam lá, permitindo comparação, e lá também não funcionou”.
. Os pesquisadores também perceberam que não era uma questão cultural só ligada ao estudante brasileiro. Estudos semelhantes foram desenvolvidos na Austrália e mostraram que apenas ações educativas não estavam funcionando. Foi por conta desses estudos que Felipe decidiu aprofundar o tema, tendo como desafio convencer alguma escola a apoiar a pesquisa disponibilizando uma turma de estudantes por um prazo determinado, realizando um estudo estruturado para avaliar resultados em três etapas: o antes, o durante e o depois em relação às mudanças de horário.
. Escolhida e escola e com o firme apoio da equipe pedagógica, deram início ao desafio que mexeu com muitos envolvidos. Embora muitos estudantes curtiram a ideia da mudança de horário, outro grupo preferiu de fato acordar mais cedo. “Isso fica muito claro nos dados que a pesquisa produziu, mostrando a dispersão maior na semana em que podiam acordar mais tarde, o que está mostrando que a gente está respeitando as diferenças individuais deles. Para os estudantes mais matutinos, não mudou muita coisa, eles continuaram acordando no horário que queriam, mas para os de natureza mais vespertina, percebe-se que eles sofrem menos com a alteração do horário de entrada em uma hora a mais”, afirma. .
. Felipe Beijamini conta que em 2017 parte desse grupo atual que desenvolveu essa pesquisa já tinha se posicionado com a publicação de um Manifesto de Horário Escolar, na Associação Brasileira do Sono. E afirma que outros estudos de um grupo norte-americano têm apresentado abordagens diferentes. Nos Estados Unidos alguns estados já atrasaram os horários de entrada na escola há, pelo menos, quatro anos e assim conseguem avaliar o efeito longitudinal no período, comparando o rendimento escolar. Lá verificou-se que a geração que passou pela mudança de horário teve incremento de cerca de 10% no desempenho acadêmico.
. Resultados de pesquisas realizadas nos estados de Seattle, segundo Felipe, têm mostrando contínua melhora das condições de sono a cada ano. A Califórnia já transformou essa prática em lei a partir de julho deste ano, determinando que as escolas do High School não podem iniciar atividade antes das 8h30, enquanto escolas de ensino básico e fundamental adotaram o início das aulas a partir das 8 horas. “O corpo de evidências já é forte o suficiente para a gente começar a ter posicionamento: já dá para sair do mundo da academia e levar isso para o mundo real”, afirma Felipe.
. Com a percepção de que os adolescentes já estão em seu limite fisiológico do horário de dormir, outra pesquisa em andamento é um levantamento dos últimos 15 anos de trabalhos científicos para ver o horário médio de sono reportado no mundo inteiro. E esse recorte temporal se deu, de acordo Felipe, pela inserção do celular no cotidiano dos adolescentes. “Será que os adolescentes estão dormindo mais tarde em função dos smartphones? Nossa hipótese é que não foi muito mais tarde não, eles já estão no limite fisiológico, mas isso ainda precisa ser testada essa hipótese”, conclui ele.
O corpo de evidências já é forte o suficiente para a gente começar a ter posicionamento: já dá para sair do mundo da academia e levar isso para o mundo real”
. Já no Mestrado em Biociências da UNILA, está sendo realizada pesquisa pelo mestrando Fábio Gnoatto, que está estudando o efeito do Jetlag Social sobre a saúde cardiometabólica. Trata-se de estudar a variação nos horários de dormir e de acordar entre os dias de semana e finais de semana. A hipótese que está sendo testada é que quanto maior o Jetlag Social, pior para a saúde cardiometabólica, com alteração de diabetes, pressão alta e outras medidas associadas à saúde em geral.
. A pesquisa atual recém-publicada na Revista Sleep Health tem como autores: Laura Bruna Gomes de Araújo, egressa do Programa de Pós-graduação em Biociências da UNILA, Sandiéli Bianchin (UFFS), com a colaboração dos pesquisadores Mario Pedrazzoli (USP) e Fernando M. Louzada (UFPR).
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