Acordo com os pássaros
São meus pensamentos voando desordenadamente
Voando um voo de que não canso
Durante o dia danço na vida como um corpo sem pensamentos
Muitas vezes me vejo como um louco irresponsável o antes-sim ante sinais de negação
Sou amante do acaso dependente dessa droga da pureza e da ejaculação da filosofia jactante
Quem me excita é o inútil
O que me apraz é a inutilidade
Só enxergo o que se esconde
E é assim que busco a verdade: o fértil na esterilidade
Barulho para mim é o eu secreto de alguém que me avisa sobre um cativeiro seguro
Não consigo evitar o torpor à volubilidade da aparência e a beleza física é mesmo a exata deformação causada pela intensidade do interior espesso
Ou então o belo é apenas a arte – uma cadeia de elos que torna tudo simétrico – correntes para voar
Tudo aceito como um preço que não se pode pagar
No interior do inapreensível eu vejo e sinto como se minha língua percorresse sem beijos a morosidade do tempo escorregando como orvalho sobre a árvore da vida em que posso observar a poética de um organismo cada secreção feliz cada bravata insípida – toda uma singeleza infantil como lágrimas de piada
Mas volto a mim e adormeço
Sonhos não maravilham um desperto que voa como vento nas cidades e nos corpos poeirentos sem dor nem incômodos julgamentos e ri sem nenhum pudor
Há um júbilo constante no descompromisso quando me comprometo somente à essência irritantemente bela de alguém
Acordo com os pensamentos em revoada disforme
Acordo esperando mais um dia de adoração
Assim como amo o vão adoro as secreções infalíveis as bravatas translúcidas a criança de memória senil
Eu sou o contador de piadas o anti-não o disto voador
e orgasmo
Sou disto tudo
o voador _____________________________ Sidney Giovenazzi é músico e poeta em São Paulo, SP. A imagem é reprodução de The Young Rembrandt as Democritus the Laughing Philosopher, de Rembrandt
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