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. Isso de dois riozinhos pertos. Um dos papagaios e outro das pombas. De onde surgem esses nomes? Quer mesmo saber? Vem de muito longe. De um tempo em que os homens não se criavam por cá. As aves dominavam tudo. . Foi em um tempo muito antigo. Tempo dos deuses. Em um tempo de Naoriti. O deus das aves. Ele criou o rio para as aves que criava. Ficou rio dos papagaios. Pois papagaio era maioria. Naoriti gostava do verde. E gostava da arruaça de papagaios, maritacas, maracanãs e araras. A brincar no rio. . Não. Nesse tempo os nomes das aves eram outros. Papagaio e pombo não eram conhecidos por esses nomes. Isso desses nomes foi depois dos humanos. Mas naquele tempo, o tempo dos deuses. Todos se entendiam. Não precisavam disso de nomes e identificação. . Tudo corria bem. Até uma pomba, a juriti, reclamar com Naoriti. Era difícil, para as pombas, beber no rio dos papagaios. Naoriti estranhou. Mas nada fez. Esperou. Depois da juriti apareceu a asa branca. E até a tímida fogo-pago. Não conseguiam suportar a barulheira das araras, maritacas e papagaios. . Naoriti matutava. E ao matutar, criou o macuco. O macuco, ave de chão e canto fon fon. E percebeu que as pombas definhavam. As rolinhas foram as primeiras. Depois as maiores. Naoriti pensava solução. Mas antes, avisou o macuco para só ir ao rio de madrugada. Quando os papagaios e afins dormiam. Enquanto buscava solução. . Então se vestiu de papagaio e foi para o rio. Achou tudo normal. As maracanãs e maritacas maritacavam como tinha que ser. Os papagaios papagaiavam em uma algaravia só. Que dava prazer a Naoriti. Era bom ouvir o alarido. Aquilo fazia bem aos ouvidos de Naoriti. . Mas as pombas ainda reclamavam. As asas brancas, de voo longo, andavam sumidas muito além da serra do Purunã. Naoriti foi consultar Nhambuquira. A deusa dos deuses. A que tudo sabia, por isso mandava. Contou o problema. Nhambuquira sugeriu. Amanhã cedinho vá até o riacho. Mas não vá vestido de papagaio. Se vista de pomba. . Foi um Naoriti vestido de pomba que chegou o rio. Tudo era como sempre tinha que ser. O alarido, a algaravia de papagaios, araras e maritacas. Até periquitos estavam lá. Mas se, como papagaio, gostava disso. Naoriti como pomba não conseguia suportar. O alarido virou barulho forte, que ofendia a sensibilidade de pomba. . Naoriti voltou à Nhambuquira. Agradeceu. Ela, a deusa dos deuses, havia ensinado uma lição a ele. A lição de empatia. Para entender os reclames de alguém, se coloque no lugar dele. Nhambuquira quis saber como ele, Naoriti, iria resolver o problema. Naoriti sorriu. Sabia como. . No final daquela tarde convocou pombas e papagaios. Antes criou mais um rio. Que ficou rio das pombas. E ordenou: papagaios, maritacas, maracanãs, araras, periquitos e afins usariam o rio dos papagaios. As outras aves, inclusive o macuco, o rio que seria das pombas. . E Naoriti pode voltar à sua tarefa preferida. Criar aves. Mas isso foi há muito tempo. No tempo em que existiam deuses. Depois vieram os humanos. Humanos despidos. E depois humanos com roupas estranhas a cobrir o corpo. E as aves descobriram perigo maior que sensibilidade auditiva. . É por isso que hoje elas, as aves, espalharam-se para longe da serra do Purunã. Poucas aparecem por lá. Mas os rios continuam. E agora com placas de identificação. Pois identificação é coisa bem humana. Com empatia ou não.
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