Marco temporal é apontado pelas lideranças como um dos maiores ataques aos povos indígenas atualmente – Foto: Alfredo Portugal
O Supremo Tribunal Federal (STF) agendou para a próxima quarta-feira (30) a retomada do julgamento do marco temporal. O processo estava paralisado desde 7 de junho deste ano, quando a Corte voltou a discutir o caso, mas a análise foi interrompida na ocasião por conta de pedido de vista do ministro André Mendonça, que tinha prazo de até 90 dias para avaliar a ação. O magistrado liberou o processo no último dia 24.
O retorno do julgamento assinala mais um capítulo da disputa que coloca em lados opostos a ala ruralista e comunidades indígenas, estas últimas apoiadas por ambientalistas e especialistas de perfil garantista. A tese do marco temporal consiste na ideia de que os povos tradicionais só têm direito a territórios já ocupados ou disputados desde antes da Constituição Federal de 1988.
A leitura coloca em xeque as demarcações de terra, principal pauta da agenda indígena, inclusive porque deixa em grau de insegurança povos que já tiveram suas áreas tradicionais formalmente reconhecidas. Dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) mostram que há, no país, 137 áreas em situação de estudo, fase inicial dos processos administrativos de demarcação. O número total registrado pela autarquia de territórios que estão em alguma fase desse processo ou que já têm seus terrenos devidamente regularizados é de 761.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) aponta que, como o caso é de repercussão geral, o número de terras que podem ser impactadas pelo julgamento é de mais de 1,3 mil. Isso porque a entidade contabiliza também as áreas que ainda não entraram na lista oficial da Funai por não terem iniciado o processo administrativo de demarcação. Por essa razão, o julgamento tem grande amplitude para os povos tradicionais.
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“É o julgamento do século para os povos indígenas. Temos alertado não só o Supremo, mas toda a sociedade brasileira e internacional a respeito dos riscos que traz essa tese do marco temporal. Além de ser danosa [para o futuro], ela vai retroceder com a política indigenista [se for aceita]” , afirma o coordenador-executivo da Apib Dinaman Tuxá.
O caso chegou ao STF em 2017 e o julgamento começou de fato em junho de 2021, ano em que o relator, Edson Fachin, manifestou voto contrário à tese do marco temporal. De lá para cá, o placar ganhou ainda um voto favorável à tese ruralista por parte de Nunes Marques e, na sequência, um voto contrário de Alexandre de Moraes, que, apesar do alinhamento com Fachin, apresentou algumas divergências pontuais com a posição do relator. O placar está, então, em dois contra um. Nos últimos anos, o caso teve o julgamento adiado diversas vezes, o que ampliou a expectativa e a ansiedade dos povos tradicionais em torno do tema.
“Há uma alteração nos ânimos, no emocional, no psicológico. É o que sempre colocamos. Essa morosidade desencadeou uma série de problemas dentro das comunidades indígenas, [como] a insegurança por si só, porque ela acabou potencializando os conflitos. Era isso que a gente sempre alertou . Estamos ansiosos, apreensivos, e isso é geral. É do Nordeste, Norte ao Sul do país”, desabafa Dinaman Tuxá.
O dirigente pontua que, apesar da tensão do momento, o segmento tem boas expectativas em relação ao resultado. “Temos certeza de que vamos sair vitoriosos porque é um direito constitucional e acreditamos que o Supremo vai cumprir com sua função, que inclui a proteção da Constituição Federal.”
Indígenas durante vigília na porta do STF para aguardar julgamento do marco temporal – Foto: Mídia Ninja
A tese do marco temporal é analisada pelo STF por meio do Recurso Extraordinário (RE) 1017365, que avalia o caso dos indígenas do povo Xokleng, de Santa Catarina. Entre outros pontos, os ruralistas argumentam que o marco seria uma forma de regulamentar o Artigo 231 da Constituição Federal. O trecho da Carta Magna aponta que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
“Esse argumento vem associado a uma possível garantia maior de segurança jurídica [para proprietários de terra] na demarcação de terras indígenas. No nosso ponto de vista, a segurança jurídica também precisa ser interpretada junto com os direitos originários às terras indígenas”, contrapõe o assessor jurídico Pedro Martins, da organização Terra de Direitos, que acompanha o andamento do processo no STF.
O tema está em discussão também no Congresso Nacional por meio do projeto de lei (PL) 2903/2023, que legaliza a tese e cria ainda outros mecanismos rejeitados pelas comunidades indígenas por ampliarem a insegurança territorial, os cuidados com o meio ambiente e outros aspectos. A previsão de retorno do julgamento na Corte fez com que a bancada ruralista agilizasse nos últimos dias a votação do PL, que recebeu aval da Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado, mas e ainda precisa enfrentar outros capítulos de votação para que possa ser finalmente aprovado ou rejeitado pelos parlamentares.
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