Dicionário das Relações Étnico-Raciais Contemporâneas – Fotomontagem de Jornal da USP com imagens de Divulgação/Editora Perspectiva
Acaba de chegar ao mercado editorial uma obra de referência sobre as relações étnico-raciais no Brasil. Reunindo 55 verbetes, o inédito Dicionário das Relações Étnico-Raciais Contemporâneas lança olhar sobre temas debatidos na atualidade, de afrocentricidade a xenofobia, passando por movimento negro, feminismos, genocídio, cultura negra, islamofobia, perigo amarelo, entre outros. O livro oferece ao público leitor brasileiro uma obra ancorada na produção e nos contextos nacional e latino-americanos, dando satisfação à representatividade com autorias negras, indígenas, femininas e dos demais grupos que mais sofrem as consequências negativas do racismo e da discriminação. Dicionário das Relações Étnico-Raciais Contemporâneas foi8 lançado em setembro, pela Editora Perspectiva.
“A discussão dos conceitos apontados nos verbetes, o aprofundamento teórico de sua definição e aplicação nas pesquisas já consolidadas desse campo e a identificação de limites para a sua utilização e interpretação são de grande relevância para estabelecer parâmetros de análise, dar contorno aos temas e recortes e proporcionar maior alcance, detalhamento e precisão às pesquisas sobre relações raciais”, destaca Ana Barone, professora e coordenadora do Labdias (Laboratório de Estudos de Cultura, Cidade e Diáspora) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. Ana foi convidada em função das pesquisas que desenvolve desde 2013 na USP. “Eu escrevi o verbete sobre gentrificação, que é um processo urbano ligado às questões relativas às pressões de valorização imobiliária nas cidades. Nesse caso, eu procurei mostrar como há questões raciais envolvidas nos processos de gentrificação, mas nem sempre elas são consideradas no uso que se faz do conceito”, explica.
A professora da USP é uma dentre os 73 autores do dicionário, que conta com organização dos estudiosos Alex Ratts, Flávia Rios e Marcio André dos Santos, e introdução do Professor Emérito da USP Kabengele Munanga. De acordo com os organizadores, a obra é dirigida às pessoas interessadas em ter uma posição ativa nos conflitos e lutas contemporâneos. “Esperamos que a leitora e o leitor possam se valer deste dicionário para ampliar e balizar seus posicionamentos”, afirmam.
Em um contexto de lutas sociais, temas da atualidade como branquitude, gentrificação e colorismo; classificações raciais e colonialismo; democracia racial e desigualdades; consciência negra, mestiçagem e discriminação racial; genocídio e Holocausto; negacionismo e racismo institucional; afrocentrismo, decolonialidade e pan-africanismo; interseccionalidade; xenofobia, islamofobia e antissemitismo; o “perigo amarelo”; os povos indígenas; o racismo religioso, entre outros, surgem na busca de abrir caminhos e na esperança de um mundo radicalmente inclusivo e sem uma centralidade de poder.
Afrocentricidade e Quilombismo ■ Afrocentrismo ■ Afrodescendentes ■ Antirracismo ■ Antissemitismo ■ Associativismo Negro ■ Branquitude ■ Cinema Negro: Um Conceito em Disputa ■ Classificações Raciais ■ Colonialismo ■ Colorismo ■ Consciência Negra ■ Convivialidade ■ Cultura Negra ■ Decolonialidade ■ Democracia Racial ■ Desigualdades ■ Discriminação Racial ■ Diáspora Negra ■ Escravidão Africana Atlântica no Brasil ■ Etnicidade ■ Eugenia ■ Feminismos Negros ■ Filosofia Afrodiaspórica ■ Filosofias Africanas ■ Genocídio ■ Gentrificação ■ Holocausto ■ Identidade ■ Intelectuais Negros ■ Interseccionalidade ■ Intolerância e Racismo Religioso ■ Islamofobia ■ Justiça Racial ■ Literatura Negra ■ Masculinidade Negra ■ Mestiçagem ■ Movimento de Mulheres Negras ■ Movimento Negro ■ Movimento Pelos Direitos Civis ■ Mulherismo Africana ■ Negacionismo ■ Pan-Africanismo ■ Perigo Amarelo ■ Pós-Abolição ■ Povos Indígenas ■ Preconceito Racial ■ Quilombos ■ Raça ■ Racialização ■ Racismo Institucional ■ Segregação Racial ■ Teoria Crítica Racial ■ Xenofobia
AFRODESCENDENTES: […] como região, a América Latina sempre foi crucial na formulação das identidades e políticas da diáspora africana. Tocando esse tambor, a atitude de cunhar o termo “afrodescendente” como identidade política no final dos anos 1980 na região e sua adoção como categoria-chave do decênio das e dos afrodescendentes, categoria declarada pelas Nações Unidas, revela o crescente significado global das perspectivas políticas e epistêmicas das e dos afrolatinoamericanos. [Augustin Lao-Montes]
ANTISSEMITISMO: Um exemplo típico dessa modalidade de antissemitismo são as caricaturas de judeus sendo titeriteiros do mundo. Esse antissemitismo surge no final do século XIX e início do século XX, fomentado principalmente pelo nacional-socialismo alemão dos anos 1920. Nesse momento histórico de ascensão de determinadas formas de nacionalismo, o pertencimento à terra de maneira enraizada e as crises políticas e econômicas (principalmente a crise de 1920) formaram um caldo cultural que tinha na figura do judeu o estrangeiro digno de desconfiança. Judeus tinham cidadania francesa sem serem franceses e cidadania alemã sem serem alemães, portanto, a integração incompleta de judeus foi motivo para aquecer noções de conspiração judaica internacional. Essa ideia de conspiração é nutrida exatamente porque trata os judeus como figuras abstratas, universais, com muita mobilidade e intangíveis, em um momento histórico no qual havia uma exigência ideológica de enraizamento e de grupos muito bem definidos. [Milleni Freitas Rocha]
CONSCIÊNCIA NEGRA: No Brasil, particularmente, o conceito de consciência negra passou a se tornar mais difundido a partir da proposição apresentada pelo Grupo Palmares do Rio Grande doSul, em 1971, ao conjunto da militância negra brasileira. A ideia consistia em uma grande mobilização para que 20 de novembro, data oficial da morte de Zumbi, fosse assumido como Dia Nacional da Consciência Negra, em memória e reconhecimento ao líder maior do Quilombo dos Palmares e à luta palmarina. Da perspectiva ideológica, aquela atitude se contrapunha às celebrações do dia 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura, amplamente homenageado pela oficialidade, em um nítido exercício de silenciamento da luta negra abolicionista. O gesto do coletivo negro gaúcho, liderado pelo poeta Oliveira Silveira, logo ganha adesão. [Nelson Inocêncio Silva]
DISCRIMINAÇÃO: Durante a ditadura militar, enquanto a população negra sofria a repressão seletiva das agências penais e os movimentos negros eram perseguidos por seu potencial subversivo, os governos militares buscaram cultivar internacionalmente a imagem do país como uma democracia racial, em contraposição ao regime de apartheid da África do Sul. [Marta Machado]
EUGENIA: […] em nome da ciência e da biologia, avaliava-se de forma negativa condições de vida produzidas pela própria sociedade – como a pobreza e falta de educação formal, agora entendidas como resultado de fatores hereditários. Assim, a eugenia lidava com o meio ambiente e com questões econômicas e sociais, além de influenciar na educação, nos costumes e na imigração. [Lilia Moritz Schwarcz]
INTOLERÂNCIA E RACISMO RELIGIOSO: […] as religiosidades afro-brasileiras voltaram a ser fortemente estigmatizadas e perseguidas, dessa vez por igrejas neopentecostais que se se autoimpõem a missão de combater a presença do mal na terra, identificando esse mal preferencialmente nas comunidades religiosas de terreiro. Desnecessário dizer que, sendo o terreiro formado inicialmente pelos grupos negros e um dos principais baluartes na manutenção das heranças culturais africanas no Brasil (língua, indumentária, culinária, cosmologia, musicalidade etc.), mais uma vez vemos discriminação e preconceito em ação, agora sob a forma de um racismo religioso. [Vagner Gonçalves da Silva]
ISLAMOFOBIA: Os discursos racistas culturais pós-Segunda Guerra Mundial têm a religião islâmica como foco de pessoas bárbaras, selvagens, terroristas, inferiores (Todorov, 2010). Isso recaiu nos últimos anos fortemente nas mulheres muçulmanas, sempre consideradas “coitadinhas”, submissas e oprimidas. O racismo e a islamophobia estão sobrepostos e revelam o medo ou ódio aos muçulmanos associados aos racismos antiárabes, antiasiáticos e antinegros, mas também antiturcos, quando se trata da Alemanha, por exemplo. [Francirosy Campos Barbosa e Felipe Freitas de Souza]
MOVIMENTO DE MULHERES NEGRAS: […] o movimento de mulheres negras foi se afirmando como fruto de experiências de lutas sociais conduzidas por organizações institucionalizadas e independentes, que enfrentavam conflitos tanto dentro dos movimentos de esquerda quanto nas organizações negras, visto que as questões ressaltadas pelas mulheres, como a divisão de tarefas em que algumas destas seriam “naturalmente” de homens ou de mulheres e os debates sobre direitos reprodutivos, eram consideradas menores e divisionistas. [Viviane Gonçalves Freitas]
POVOS INDÍGENAS: Para os povos indígenas, conhecer é uma habilidade que se adquire na relação com outros seres que habitam o mesmo mundo. Quanto mais engajamento e integração com a natureza, mais possibilidade de conhecimento. As pedagogias indígenas ancestrais vão além com a ética cósmica do xamã, para quem o conhecimento só é possível com a permissão e colaboração da natureza. [Gersem Baniwa]
XENOFOBIA: As pessoas originárias de classes mais desfavorecidas da estrutura social, mulheres, pessoas com deficiência, que pertencem às comunidades LGBTQIA+, praticantes de religiões não ocidentais como as de matriz africana, muçulmana, judaica etc., notadamente as pessoas mais marcadas racialmente, são aquelas mais submetidas às práticas xenofóbicas. [Handerson Joseph]
Flávia Rios – Foto: Arquivo pessoal, Alex Ratts – Foto: Arquivo pessoal, Márcio A. dos Santos – Foto: Arquivo pessoal
Flávia M. Rios – É doutora em Sociologia pela USP, é professora da UFF, onde foi coordenadora do curso de Ciências Sociais- Licenciatura. Foi ainda visiting student researcher collaborator em Princeton. Integrou o quadro docente da UFG, na qual coordenou o Pibid-Ciências Sociais. Atualmente, é coordenadora do Núcleo de Estudos Guerreiro Ramos (Negra – UFF) e integra o Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) e os comitês científicos do Afro/Cebrap e do projeto As Responsabilidades de Empresas Por Violações de Direitos Durante a Ditadura (CAAF/Unifesp).
Alex Ratts – É doutor em Antropologia Social pela USP e professor na UFG nos cursos de graduação e pós-graduação em Geografia e de pós-graduação em Antropologia. Coordenador do Laboratório de Estudos de Gênero, Étnico-Raciais e Espacialidades do Instituto de Estudos Socioambientais da UFG, participa da Rede Espaço e Diferença (RED) e da Rede de Estudos de Geografia, Gênero e Sexualidades Ibero-Latino-Americana (REGGSILA).
Marcio André dos Santos – Professor adjunto da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira – Unilab, Campus dos Malês/BA e atua nos cursos de graduação em Humanidades e Licenciatura em Ciências Sociais, do qual é o atual coordenador. Possui doutorado em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP/UERJ), com estágio-sanduíche na Johns Hopkins University, Baltimore, Estados Unidos. É professor colaborador do Programa Multidisciplinar de Pós-Graduação em Estudos Étnicos e Africanos (Posafro) da Universidade Federal da Bahia.
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