No ano passado, Tom Zé lançou seu mais recente álbum, Língua Brasileira – Divulgação
Naquele tempo todo compositor brasileiro do meu ambiente era uma pessoa séria que falava sério que estava defendendo o Brasil contra a ditadura e contra a ditadura só se fala no sério.”
Nos anos de chumbo, Tom Zé percebeu que tinha outro inimigo além dos militares. O músico que recém completou 87 anos relembra que seus colegas artistas tinham uma maneira diferente de combater o regime que perdurou 21 anos no Brasil.
“Como é que eu vou imitar um negócio que tem um mal humor filho da mãe? Existe mal humor pior que o da ditadura?”, questionou em entrevista ao programa Bem Viver.
“Enquanto todo mundo que falava, falava muito grosso, porque tinha que ser muito homem para poder ser contra a ditadura. Eu nunca achei isso.” Relembra, Tom Zé: “Ô, meu deus, eu só queria um país normal”
A crítica de Tom Zé rendeu uma música, Complexo de Épico presente no álbum Todos os Olhos, que completa 50 anos em 2023.
“Todo compositor brasileiro é um complexado. Por que então esta mania danada, esta preocupação de falar tão sério, de parecer tão sério de ser tão sério”
“E essa era a maneira que eu caia em cima da ditadura. Então quando eu falava mal da ditadura, eu juntava uma coisa qualquer em que a ditadura ficava ridícula, ridícula para uma coisa que gerasse riso”, comenta Tom Zé, lembrando que a música Vai (Menina, Amanhã de Manhã), lançada em 1976 no álbum Estudando o Samba, fazia referência, justamente, a essa forma de criticar com ironia
O humor sempre foi a alma da composição de Tom Zé. O compositor recém voltou da Itália, onde foi receber o Prêmio Tenco, distribuído desde 1974 para artistas que deram suporte à canção autoral mundial. Tom Zé foi o único artista brasileiro condecorado neste ano.
“As maiores coisas que eu recebi foram prêmios de países de outras línguas”, desabafa o compositor. Segundo ele, sua carreira foi marcada pela falta de reconhecimento dos brasileiros com seu trabalho. Na entrevista, ele relembrou a história que fez com que seu álbum mais famoso, de fato, se tornasse famoso.
“Eu tinha feito um disco, Estudando o Samba, 1976. E eu falei assim, ‘rapaz, eu tô fazendo um disco bom e é capaz de ninguém dar bola para essa banana’. Então eu resolvi fazer uma armadilha.”
Álbum Estudando o Samba foi lançado em 1976 – Reprodução
‘Cheguei na gravadora e pedi para influenciar na capa do disco. Eles disseram que está bem, está certo. Ai eu fui com a casa que vende material de construção e comprei umas cordas e uns arames farpados”.
“Disco de samba realmente se bota uma praia ou a mulher de biquíni, ou sei lá o que”, brinca Tom Zé explicando o estereótipo do qual queria fugir. De fato, o álbum saiu da maneira que o artista montou. Segundo ele, ao chegar em casa, pôs os materiais em cima da mesa e fez uma composição. O desenho que surgiu virou a capa do álbum, adicionando o título na parte superior.
“Eu achei que aquilo era um pedido de socorro”. As coisas mudaram quando uma ajuda internacional que desembarcou, despretensiosamente, no Brasil
“David Byrne [cantor da banda Talking Heads] conta que foi ao Rio de Janeiro, botar um filme dele no festival que tem no Rio de Janeiro. E ele sempre passava em casa de disco para ver o setor de samba e olhar e ter a curiosidade de comprar alguns”, lembra Tom Zé.
“Ele conta que olhou para os discos brasileiros e de repente viu um disco com corda e arame farpado. Ele achou surpreendente aquele negócio, que é samba com corda e arame farpado. Não dava tempo de ouvir, e ele botou na bolsa dele e levou para Nova York. No dia que o viu, se assombrou, saiu perguntando a todo mundo quem conhecia aquele artista, eu no caso.”
“Ele lançou em Nova York e me levou para lá e aí eu comecei a cantar pra todo mundo, e é por isso que eu estou aqui, entende? E o Brasil, que compra jornal do exterior, começaram a acreditar que eu era artista”, brinca Tom Zé.
Trabalhando em um novo disco, Tom Zé é baiano de Irará, cidade no interior do estado, próximo a Feira de Santana, mas que vive em São Paulo há décadas, “desde a época do tropicalismo”, lembra.
“Eu aqui me instalei em Perdizes [bairro na Zona Oeste da cidade] onde virou irará da seguinte maneira: todo mundo me conhece mas, ninguém fala comigo só quem fala comigo é uma outra pessoa que toma coragem”.
Segundo o cantor, as coisas mudaram um pouco desde que foi reconhecido como membro da Academia Paulista de Letras, em setembro do ano passado.
“Desde que eu entrei na Academia Paulista de Letras de letras aconteceu uma coisa inacreditável: 30% das pessoas começaram a falar comigo. E eu gosto de conversar, eu sou da roça”
“Eu acho que as pessoas achavam que eu era muito louco e ficavam com medo de falar comigo”, divaga Tom Zé. Agora, segundo ele, as pessoas pensam “se ele tá na academia, ele não pode ser tão louco”.
Sobre o novo disco, Tom Zé não abre o jogo. “Eu não posso te dizer, porque se não todo mundo amanhã vai fazer o que eu vou fazer. Até dizer um segredo já é perigoso”, brinca.
A única coisa que revela é que “eu tô trabalhando no disco, onde naturalmente tem uma coisa que o mundo todo tá vendo de uma maneira e que eu tô tentando fazer de como se tivesse mostrando ela nu”.
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.