O BookTok e as redes sociais, no geral, são uma grande ferramenta para ajudar na divulgação de obras literárias – Foto: Cory Doctorow via Flickr/CC BY-SA 2.0 DEED
“Um amigo me contou a história mais doida esses dias! O tio dele, professor no interior de Minas, ganhou uma herança completamente inesperada e conseguiu se mudar para a capital! No testamento, estava escrito que o amigo falecido tinha uma única exigência: cuidar de seu cachorro, que estranhamente tinha o mesmo nome que o dono! O tio dele obviamente aceitou, e ele seguiu para Barbacena (rico e dono de um cão cor de chumbo).
No caminho, ele se apaixonou por uma mulher – que o tio do meu amigo disse ser encantadora! Mas o problema é que Sofia, a paixão dele, era casada com seu melhor amigo (o tio do meu amigo só conheceu a esposa dele depois de muito tempo). Curioso, né! Quer saber como essa história termina? Então é só ler o livro Quincas Borba, de Machado de Assis.”
Esse trecho descreve um dos mecanismos que influenciadores digitais da plataforma TikTok utilizam para divulgar livros de forma criativa. Os booktokers, como são conhecidos, são – geralmente – jovens que realizam resenhas de livros dos mais variados gêneros.
A hashtag BookTok, que geralmente acompanha os vídeos dos influenciadores, já acumula cerca de 206 bilhões de visualizações. Mas a popularidade das obras não fica restrita ao universo digital. Colleen Hoover, autora norte-americana, se tornou um fenômeno do TikTok graças à divulgação de suas obras na plataforma. A autora possui uma hashtag própria – ColleenHoover –, que acumula mais de 4 bilhões de visualizações.
Aline Frederico – Foto: Arquivo Pessoal
De acordo com o portal PublishNews, É Assim que Acaba, livro de Colleen lançado em 2016, foi o segundo livro mais vendido de 2023. A autora ainda aparece no ranking em 3° lugar, com o livro É Assim que Começa, lançado em 2022, e em 14° lugar, com Verity, de 2018. Em 2022, Colleen conseguiu emplacar sete livros no ranking, e conquistou o 1°, 4°, 9°, 15°, 17°, 18° e o 20° lugar, o que equivale a quase 300 mil cópias vendidas.
A venda de obras de Colleen foi diretamente influenciada pelos vídeos de booktokers. Aline Frederico, professora de Editoração da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, explica que é típico das comunicações de massa que certos grupos tenham grande poder de influência – e grande número de seguidores – e que consigam gerar certo impacto através de suas recomendações.
“É assim que funciona também no caso dos livros: a gente vai ter alguns booktokers, instagrammers, booktubers que vão estar envolvidos nesse mundo literário, fazendo indicação de livros, e tem então essa capacidade de dar atenção para determinados títulos, e com isso fazer o número de exemplares vendidos aumentar”, explica Aline.
O BookTok e as redes sociais, no geral, são uma grande ferramenta para ajudar na divulgação de obras literárias, mas não são um definidor para o sucesso de um livro. “São determinados nichos de mercado, determinados grupos e audiências que fazem um uso sistemático das mídias sociais e nesses grupos as mídias sociais têm impacto maior nos resultados de vendas no mercado editorial. Mas isso não vai acontecer com todas as obras, com todos os nichos, geralmente são inclusive casos isolados”, exemplifica a professora.
Para Aline, o movimento de divulgação de obras nas redes sociais depende de condições específicas, como as tendências que estão em alta no momento, do que está sendo falado e quem são os influenciadores que divulgarão os livros, por exemplo; também, se a obra em questão dialoga com uma audiência usuária de redes sociais, a professora acredita que certamente a divulgação na internet terá mais impacto. Porém, isso depende muito do público-alvo do livro.
Josmar Andrade – Foto: Arquivo Pessoal
Nos Estados Unidos, antes das mídias digitais, o “fenômeno Oprah” funcionava como um forte impulsionador de vendas. “Quando a Oprah divulga um livro no programa dela, é muito certo que ele vai aumentar o volume de venda significativamente, e hoje a gente vê isso nas redes sociais com os influenciadores digitais”, aponta.
Dessa forma, a professora acredita que um fator que influencia os livros a virarem um fenômeno das redes sociais – além de encontrar a pessoa certa para realizar essa divulgação – é que o livro aborde questões que estão sendo comentadas no momento, e que ele seja capaz de cativar os leitores.
De acordo com Josmar Andrade, professor de Marketing da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), do mestrado profissional Empreendedorismo da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) e assessor da Agência USP de Inovação, para que a divulgação de livros seja bem-sucedida, é preciso identificar o público-alvo e entender como esse grupo adquire informações sobre a obra literária – se é através das redes sociais, se eles frequentam os pontos de venda, se é através da indicação de um crítico.
Além disso, Andrade pontua a importância do engajamento do próprio autor nesse processo. “Muitos autores não gostam muito dessa questão de autopromoção, não gostam muito dessa palavra – às vezes vista como certo pejorativo, não gostam muito de lidar com o mercado – mas nós estamos vivendo um outro mundo, e esse outro mundo exige uma nova postura. Você quer ter leitores? Você precisa se conectar com eles”, explica.
Por isso, se o público-alvo de uma obra estiver nas redes, é interessante que o autor ofereça conteúdos e crie certa intimidade com os leitores. Essa, de acordo com o professor, é uma estratégia que pode aumentar sua aceitação, visibilidade e potencialmente criar os fenômenos, que são construídos através das recomendações entre pessoas.
O mercado da literatura é amplo e possui vários segmentos e subdivisões, que podem ser organizados de acordo com faixas etárias – literatura infantil, infantojuvenil, jovem adulta, adulta. Dessa forma, cada grupo terá uma estratégia própria de divulgação.
No entanto, como explica Aline, de forma geral é possível estabelecer algumas fases importantes para a divulgação de uma obra. A primeira é o momento do lançamento do livro, que geralmente é acompanhado de um evento que movimenta um grupo de pessoas interessadas naquele título e que normalmente marca um pico de vendas – a depender, segundo a professora, das características da obra.
Depois, outro aspecto importante pontuado pela professora é o envio do livro para formadores de opinião. “Tradicionalmente, esses formadores de opinião são a imprensa especializada, tanto revistas literárias como a grande imprensa, principalmente os jornais e revistas de grande circulação. Mas, hoje em dia, também a gente tem nas redes sociais muitos grupos formadores de opinião”, explica.
A literatura tradicional será mais divulgada no circuito da produção cultural da crítica literária – Foto: Pixabay via Pexels
Esse processo depende do segmento das obras: se o livro divulgado é classificado como young adult – jovens adultos, em português –, a audiência é fortemente consumidora de mídias sociais. Dessa forma, os formadores de opinião escolhidos devem, preferencialmente, atuar na internet, por exemplo. Por outro lado, segundo Aline, a literatura mais tradicional será mais divulgada no circuito da produção cultural da crítica literária, em revistas como Rascunho, Quatro Cinco Um, e cadernos de cultura dos grandes veículos de imprensa.
Por fim, a participação em feiras e eventos literários também é um fator relevante, segundo a professora. “O autor não termina o trabalho quando ele termina de escrever o livro e ele é publicado. Ele vai, então, ter uma agenda de divulgação da obra seguindo o calendário dos eventos literários”, aponta.
Andrade explica que uma obra literária é um produto como qualquer outro que busca seu público consumidor. A divulgação do livro pode ser realizada através da assessoria de imprensa e matérias, por exemplo. “Também é possível, hoje em dia pelo mercado digital, a gente dar destaque ao livro dentro dos próprios sites das livrarias e dos marketplaces como a Amazon”, aponta. Anúncios e estratégias de venda física também podem ser realizados.
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