“Por meio do teatro, o sujeito busca encontrar alternativas para as opressões vividas. Assim, é uma metodologia com objetivos críticos, pedagógicos, estéticos e terapêuticos”, resume o multiplicador de teatro do oprimido Dimir Viana. “Ele se baseia no teatro como a essência do ser humano. Porém, em uma sociedade capitalista com diferentes estruturas de opressão, a criança entende que a arte não é para ela. Boal sistematiza uma metodologia que mostra que o teatro pode ser usado por todos e a nosso favor, visando transformação social”, explica a curinga, educadora e doutoranda em artes cênicas na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) Helen Sarapeck. Por meio de exercícios, jogos e técnicas teatrais, discutem-se questões diárias e as situações de poder, com os atores-espectadores refletindo sobre soluções para o problema representado. “A gente não pode conviver com racismo, machismo, homofobia, xenofobia, aporofobia e outros. É urgente mudar essa história, e o teatro oprimido é um meio para isso”, destaca a educadora. “É um teatro feito pela, para e sobre a pessoa oprimida, que busca sair das suas próprias opressões. Assim, o objetivo não é montar um espetáculo para o outro”, diferencia Sarapeck. Desafios na escola No campo da educação, Viana aponta como benefício do teatro do oprimido discutir com os alunos os problemas sociais que adentram à escola. Pode haver, entretanto, desafios, como os alunos de áreas vulneráveis enfrentando dificuldades de entenderem o que é opressão e se verem como oprimidos. Além disso, nem sempre é possível encontrar soluções para os problemas trazidos pela turma. Essa situação foi relatada pela professora Vânia Helena Nepomuceno Ávila na dissertação “Do aluno espectador a spect.-ator: uma experiência de teatro do oprimido no ensino médio”(2019), principalmente no caso de temas como violência policial e racismo. “Mas como Boal acreditava, ‘mais importante do que chegar a uma boa solução é provocar um bom debate’”, compartilha. Principais técnicas Entre as técnicas aplicadas por Boal dentro da metodologia do teatro do oprimido, seis podem ser destacadas. 1) Teatro-Fórum: Os atores encenam uma situação de opressão sem apresentar uma solução. O público, então, é convidado pelo curinga – facilitador e mestre de cerimônias – a intervir, substituindo os atores e propondo alternativas para resolver o conflito. 2) Teatro-Jornal: As cenas são baseadas na leitura de uma notícia. “Os participantes tentam ler além do que está escrito, revelando o que está menos evidente”, pontua Sarapeck. 3) Teatro-Invisível: A cena de opressão é realizada em um local público, onde poderia ocorrer sem que os presentes saibam de que se trata de teatro. 4) Teatro-Imagem: Utiliza linguagem não-verbal, sendo o problema retratado como uma imagem congelada ou escultura. “Os participantes podem moldar as expressões dos atores. O curinga pergunta à plateia se algo poderia ser modificado, e as intervenções são realizadas”, apresenta Viana. 5) Arco-íris do desejo: “Ao contrário das outras técnicas que focam em questões da coletividade, nessa o indivíduo pode trazer uma opressão pessoal para discutir alternativas com o grupo”, diferencia Viana. Cada sugestão proposta é tida como uma cor que irá compor esse arco-íris. 6) Teatro Legislativo: A partir dos temas, cenas e soluções encenadas, os participantes escrevem propostas de leis, algo que pode ser realizado em parceria com profissionais do campo jurídico. Jogos para aplicar com a turma Conheça 11 jogos desenvolvidos por Boal que podem ser usados na escola. Para ajudar os alunos a se exporem sem vergonha, Sarapeck sugere realizar jogos em pequenos grupos ou em duplas. 1) Quem sou eu? O que eu quero? No artigo “O Teatro do Oprimido: A arte de libertar os sujeitos” (2016), a professora Ivone Silva relata o uso desse jogo proposto por Boal, no qual cada participante escreve em um papel, de forma anônima, três definições sobre si. Estas devem responder “quem sou eu?”, “o que eu quero?” e “o que impede meu desejo?”. O diretor analisará todas as repostas sem revelar a identidade dos participantes. 2) Pesadelos de criança Os alunos devem interpretar personagens que os aterrorizavam na infância, mas não representar a si mesmos com medo. Na cena com os seus parceiros, eles devem tentar aterrorizá-los da mesma forma que sentiam medo, fazendo com que o aterrorizado assuma o papel de aterrorizador. Os personagens devem ser concretos evitando, por exemplo, substituir o medo do escuro pelo sujeito que estaria oculto nessa escuridão. 3) Recorte encenado O professor apresenta à classe trechos de músicas, recortes de jornal ou imagens que retratem uma situação-problema. Os alunos discutem sobre ela e depois propõem uma cena sem se preocupar em resolver a situação. 4) Quebra de repressão Nesse jogo proposto por Boal, ouve-se o relato de um participante que não pode se opor a uma opressão que vivenciou. Essa é representada pelo grupo, e o oprimido toma novamente seu lugar de protagonista, mas agora não permitindo ser reprimido novamente. 5) Contar a sua própria história Nesse jogo desenvolvido por Boal, o participante narra algo que lhe aconteceu ao mesmo tempo em que os companheiros ilustram a cena. Ele não pode intervir ou corrigir durante o exercício. Ao final, o narrador compara sua reação com a encenada pelo grupo. 6) Hipnotismo colombiano Boal sugere que um participante posicione a mão a poucos centímetros do rosto de outro. Este, como se hipnotizado, deve manter o rosto à mesma distância da mão do hipnotizador, enquanto este caminha pelo espaço e faz movimentos, provocando uma resposta do companheiro. “Ao final, os alunos trocam de papeis. Também pode ser realizado em trio”, sugere Viana. 7) Homenagem a Magritte Os participantes escolhem um objeto e dão um uso para ele diferente da sua natureza, fazendo uma ação cênica. “Por exemplo, um grampeador vira uma chapinha de cabelo”, ilustra Viana. 8) Jana cabana Dois alunos formam uma cabana e abrigam um terceiro dentro. Há várias cabanas na sala, mas uma pessoa deve sobrar, e o objetivo é que ela se insira em uma das cabanas. Assim, quando ela disser a palavra-chave “cabana”, aqueles que formam a cabana trocam de posições. Se disser “pessoa”, todos que estão abrigados na cabana devem sair de lugar. Já na palavra-chave “tempestade”, todos os participantes da brincadeira precisam mudar de posição. Eles devem correr pelo espaço fazendo barulho de tempestade. 9) 1, 2, 3 de Brad Ford Em duplas, os alunos começam a contar alternadamente 1, 2 e 3. Quando essa sequência rítmica é formada, o curinga pede para um dos números ser substituído por um gesto ou som até todos os números serem substituídos. Além disso, o curinga pode solicitar que as falas e gestos sejam realizados pelos alunos com qualidades, como tristeza, alegria, estar apaixonado, entre outros. 10) Meios de Transporte Sarapeck indica realizar esse jogo com cinco a seis alunos. Eles vão construir meios de transporte aéreo, terrestre ou marinho usando seus corpos. “Primeiro congelado, depois adicionando sons e movimento”, explica. 11) Imagem da palavra Os alunos permanecem em círculo, com os corpos virados para fora e de olhos fechados. O curinga lança uma palavra no grupo. Em poucos segundos, todos devem ouvir sem comentar, criar uma imagem a partir dela e se voltar para dentro do círculo. O professor, então, bate palmas para todos abrirem os olhos e verem as imagens criadas. “O processo é rápido para evitar que os alunos pensem demais, deixando o corpo falar”, explica Sarapeck. “O professor pode dialogar com os alunos sobre os movimentos que apareceram em maior quantidade, questionando o que isso significa”, diz a professora. Como dica, Sarapeck sugere iniciar com palavras objetivas – como animais – e partir para abstratas – como sentimento – até o professor escolher palavras relacionadas ao tema que ele quer trabalhar. De Instituto Claro / Leonardo Valle