Grafismo a partir da imagem da fachada da antiga Santa Casa Monsenhor Guilherme, em Foz do Iguaçu
“Duas faces do sangue Coleta orgulha hospital, mata-mosquitos andam a pé”
Montezuma Cruz (*)
Autodoação remedia a falta de sangue – foi a manchete. Sim, a antiga Santa Casa Monsenhor Guilherme estimulou pacientes a “preparar estoques”, fazendo coletas do próprio sangue para futuras cirurgias. Em 25 de novembro de 2017, o Brasil comemorou o Dia Nacional do Doador Voluntário de Sangue. Consultei páginas amarelecidas de jornais e localizei matéria minha publicada na Folha de Londrina em 31 de outubro de 1993. Acidentes rodoviários, esmagamentos, tiroteios e esfaqueamentos sugavam todo o sangue disponível no Banco de Sangue. Os estoques zeravam. Brasiguaios acidentados em caminhões toreiros apareciam no hospital, recebiam transfusão de dezenas de bolsas, e “vazavam” sem retribuir depois. Eram pacientes procedentes de Cedrales, Colônia Iguazú, Curupayty, Naranjal, Santa Rita de Monday, Santa Tereza e San Alberto. E aí vinha a criatividade. Contando com apenas trezentos doadores para uma população de duzentos mil habitantes, a Santa Casa lançava programas de autodoação e cirurgias eletivas. Responsável pela coleta, o médico hematologista Telismar Grewher pessoalmente se empenhava na convocação de pacientes para doarem e se garantirem. Na ocasião, faltavam doadores com Rh negativo. Fernando José Souza e Silva, responsável pela equipe do Banco, explicava que apenas 10% da população da cidade tinha esse tipo, o mais requisitado para cirurgias. Quatro semanas antes de ser operada do útero, uma mulher dava exemplo aos usuários do hospital. E assim, acidentados se socorreram, alguns tumores foram extirpados, a quantidade de sangue aumentou. A campanha durou alguns meses, entretanto, na condição de programa local e sem apadrinhamento superior em Curitiba e Brasília, deixou muitos candidatos a transfusão a sonhar com soluções para suas dores. Apesar das ideias e dos esforços, em agosto de 1994 os dois maiores hospitais de Foz enfrentavam a crise: a Santa Casa devia R$ 500 mil só de juros, e o Hospital Costa Cavalcanti, da Itaipu Binacional atendia apenas servidores da empresa. O (antigo Hospital**) Internacional limitava-se a pacientes de obstetrícia. Casos de Aids engordavam a estatística da saúde pública. E o então presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas, Ricardo Mocelin, lamentava a situação. Viajando no tempo podemos reviver um pouco daquela lamentável situação. Por falta de combustível, agentes da Fundação Nacional de Saúde, especialmente mata-mosquitos, andavam de ônibus e a pé nos bairros da cidade. E dá-lhes Aedes aegypti!.. Restava o choro ao diretor administrativo da extinta Santa Casa, Amauri Vetorazzi. Ele receberia dinheiro atrasado do INSS. Até julho de 94, as compras do hospital e os pagamentos a funcionários eram feitos em URV (unidade real de valor), mas o INSS pagava em cruzeiros reais. E 90% dos leitos estavam ocupados por doentes da região oeste, e ainda, do Paraguai e da Argentina. Uma pobreza “tríplice”, de fazer dó. Reimplantes de mãos e pernas faziam sucesso. Nem por isso, o saudoso provedor César Cabral excedia em milagres. Um ano antes, esse senhor que sobreviveu à tortura moral, física e psicológica da ditadura de Alfredo Stroessner no Paraguai, criara uma “raspinha” temporária, cuja renda permitia ao hospital adquirir nova aparelhagem para a UTI. Anos 1990: a criatividade dizia muito mais do que surrados convênios previdenciários. Assim era a saúde pública. (*) O repórter trabalhou em Foz do Iguaçu entre 1991 e 1996. (**) Observação do editor ________________________________________ Montezuma Cruz é jornalista atualmente em Porto Velho, Rondônia. Costuma colaborar com o portal Guatá com textos que visitam a história recente de Foz do Iguaçu.
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