Ilustração de História Natural para Meninos e Meninas, da Bibliothèque Nationale de France – Foto: Reprodução/Livros Infantis Velhos & Esquecidos
. Era uma vez uma menina loira e rica chamada Lili. Certo dia quando passeava com sua babá, Lili ouviu um “lamento afastado, lugubremente dolorido”. Seu coração – “germe dum coração de mulher” – bateu apressado, e ela, desobedecendo às ordens da babá, correu em direção do “rancho de sapé” de onde vinha o choro…
É assim, lembrando o enredo da primeira história publicada para crianças por Monteiro Lobato, que Gilza Bignotto, professora do Departamento de Letras da Universidade Federal de São Carlos, lembra o conto D’Aprés Nature que saiu em uma revista paulistana em 1903. Histórias, artigos como este que resgatam autores que fizeram parte da infância das gerações que cresceram com livros na mão estão nos diversos artigos que integram o e-book Livros Infantis Velhos & Esquecidos, organizado pelas historiadoras e professoras Gabriela Pellegrino Soares e Patrícia Tavares Raffaini, em uma publicação da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM).
A edição disponível foi lançada pelo Portal de Livros Abertos da USP, com download gratuito neste link.
Na apresentação, as organizadoras Gabriela Pellegrino Soares e Patrícia Tavares Raffaini esclarecem que os livros destinados ao público infantil conquistaram espaço ao longo da metade do século 19. “Antologias de contos de fadas, obras literárias ‘adultas’ adaptadas para crianças, livros escritos e ilustrados segundo o que se considerava adequado para a jovem audiência, explorando caminhos para encantá-la e, não raro, também educá-la”.
Segundo as organizadoras, “a obra pretende recuperar alguns caminhos que se abriam a esses jovens leitores no Brasil do período em questão”. Ressaltam: “Ao contrário do que aponta parte da bibliografia sobre a história do livro e da leitura na infância em nosso país, o cenário não era assim tão desolador. Os trabalhos aqui reunidos nos revelam a pluralidade do material disponível para o público nas poucas livrarias e bibliotecas existentes, assim como nos catálogos das editoras que aos poucos se desenvolviam localmente”. As professoras e pesquisadoras Gabriela e Patrícia observam que, para os leitores que viviam longe dos grandes centros, havia a possibilidade da encomenda postal, da participação em clubes de leitura ou empréstimo de livros. “No Brasil de então circulavam edições vindas de fora, de Portugal, da França e da Alemanha e, crescentemente, obras produzidas nas editoras que aqui despontavam.”
O primeiro capítulo, de Angela de Castro Gomes, aborda a trajetória da educadora e folclorista mineira Alexina de Magalhães Pinto, nascida em 1869, com a análise das obras escritas pela autora, “luminando o universo dos brinquedos, das cantigas de roda, dos jogos populares no Brasil de então”, como comentam as organizadoras. Na sequência, o texto de Kaori Kodama aborda livros que, no Brasil da segunda metade do século 19 e princípios do século 20, promoveram o gosto pela ciência no público infantojuvenil. Patricia Santos Hansen analisa textos clássicos dirigidos ao público infantojuvenil brasileiro nos primeiros tempos da República e dos projetos voltados à formação dos cidadãos.
Andréa Borges Leão concentra-se nas Viagens Extraordinárias de Júlio Verne e no público leitor cativo que se formou, no Brasil, em torno da coleção. Segundo a autora: “No final do século 19, ao mesmo tempo em que a publicação da obra traduzida de Júlio Verne no Brasil contribuía para a segmentação do público leitor ajudando a definir as faixas etárias – como livros para jovens –, num país ainda majoritariamente analfabeto, além de servir de fonte de trabalho e inspiração para novos escritores nacionais, também produzia concorrências literárias estimuladas, na maioria das vezes, por seu primeiro editor, o francês Baptiste-Louis Garnier. Olavo Bilac e Monteiro Lobato estão entre os jovens leitores que, mais tarde, em suas memórias de leitura, reverenciaram os romances de Júlio Verne como de formação”.
Ainda entre os destaques da publicação, está o artigo de Leandro Antonio de Almeida, que se volta às tramas policiais que ajudaram a construir novas referências de modernidade para crianças e adolescentes. Como escreveu o autor: “Vinte anos depois da primeira publicação britânica, em 1887, vários jornais diários e revistas do país, transformados em empresas voltadas a um amplo público, passam a inserir contos e romances de Sherlock Holmes em seus folhetins”. E em Monteiro Lobato e Seus Precursores, Cilza Bignotto apresenta uma reflexão original, a questão da autora são os elementos que dão forma à sua obra infantil. Por fim, Tânia Gomes de Mendonça descortina outro gênero narrativo caro às crianças, em O teatro de bonecos na escola Helena Antipoff, Olga Obry, Cecília Meireles e Maria Clara Machado: Trajetórias Conectadas.
Confira o e-book Livros Infantis Velhos & Esquecidos neste link.
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