Antes da palavra o afeto era cheiro, gosto, gozo, imagem em movimento. Quimera nasceu neste tempo. Cedo aprendeu a voar com as borboletas da noite: asas em redemoinho num alinhado desalinho. Tinha na carne o sol e o trovão. Seu nome era nome de pedra. Com o braseiro dos olhos incendiava a mirada de quem se acercasse. Tempestades bebiam seu suor e começavam a rugir. Batuque de tambores denunciando o coração da floresta. Atravessava o rumor dos rios com canto de pássaro. Abrandava a imensidão do coqueiro no baraço dos braços que se estendiam, entrelaçando e esmagando a distância horizonte acima. Na pele de folha vibravam acordes de uma terra silenciada. O sangue de rio, o sol do meio-dia queimando as copas das coronilhas, fresta de luz entre os galhos retorcidos. Cabelos de lua e escuridão, a seiva dos pelos curtida no mormaço, soalheira entre os ervais. Foi nessa era – a chuva mansa caindo em pequenos goles – que conheceu o segredo. Seu corpo de árvore penetrava diminutos arbustos de fruta vermelha. Subia os coqueiros como se fosse vento ou asa, esvoaçando cipós e calhandras rente aos galhos da corticeira. Era irmã de pequenos felinos com olhos de flor. E os carregava nos braços, junto ao seio. Quando menina seu corpo de pedra flutuava acima das águas da nascente. Depois, nas eiras, viu as espigas de trigo maduro misturarem-se à terra, misturarem-se ao vento para finalmente ser pele, hálito e movimento.
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