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A caçada, conto de José Maschio
A caçada, conto de José Maschio
29 de julho de 2024
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Texto reproduzido de página do autor em rede social.
Ainda sonolento, colocou o pé esquerdo no chão. Coçava e doía. Era a frieira a danar o pé. Assuntou se ouvia algum barulho. Silêncio. Barulho pequeno na cozinha. Devia ser o irmão do meio a preparar a matula do dia. Só aí teve tino de colocar o outro pé no chão. Saiu da cama, ainda sonolento. Odiava isso de acordar cedo, madrugar.
Mas o pai tinha mandado. Caçar mistura para o almoço. Era ele o responsável. Ouviu mais barulho na cozinha. O irmão do meio apareceu. Vai limpar essas remelas do olho que preparei um lanchinho para você. Obedeceu. No banheiro, torcia para que o irmão não tivesse preparado gemada. Detestava isso de gemada pela manhã. Ordens do pai.
O irmão tinha preparado uma fortaia. Fortaia de pobre, ovos com couve picadinha. Disso gostava. Enquanto comia, o irmão do meio pediu para ver o pé com frieira. Colocou gazes improvisadas sobre a ferida e sentenciou. Use minha botina, vai doer menos. Gostava dos cuidados dos irmãos. O do meio e o mais velho sempre atentos a ele.
Procurou a cartucheira no quarto do pai. Ao voltar à cozinha o irmão já tinha ido. Aproveitou para comer mais um pouco de fortaia. Precavido, cortou uma feta de pão e enfiou no embornal. Era para caso tivesse fome na empreitada. Estava orgulhoso, mas também com medo, da tarefa. Ordens do pai. Caçar mistura para o almoço. Era a primeira vez que ia só.
O orgulho de ter sido nomeado o caçador da casa era bom. Ruim é que não tinha a sanha de matar. Tinha pena dos bichinhos. Entendia que o pai, ao dar a ele a tarefa de caçar mistura, tinha propósito. Poupar seu corpo frágil da tarefa de arruação de café. Mas também tinha o caso das queixadas. Um acaso que provocou elogios dos irmãos e do pai.
Gostava de lembrar. O irmão mais velho tinha preparado ceva para uns catetos que estragavam o milharal. Arranjou tocaia em uma paineira. Ficou noites na espreita e nada. Num final de tarde, o irmão mais velho estava a ensinar ele atirar de carabina. Decidiu então que ele iria ficar na tocaia dos catetos no começo da noite. Aí aconteceu.
Nem bem tinha anoitecido e elas chegaram. Não eram catetos. Eram queixadas. Animais maiores e mais violentos. Do alto da paineira, esperou elas se aproximarem. O primeiro disparo foi ao largo, desperdiçado. Assustado, disparou mais duas vezes. Sem mesmo mirar. Os disparos dispersaram as queixadas. Restaram duas, agonizantes.
Ele estava indeciso. Não sabia se descia da árvore ou esperava para ter certeza que o bando de queixada tinha mesmo desertado. Na indecisão tinha também muito medo, um quase pavor. Ouvia histórias que não sabia se eram lendas sobre a violência das queixadas. Mas tinha que arriscar. Desceu lentamente. Sempre de olho nas duas queixadas que restaram.
Com alívio, percebeu que estavam mortas. Aí chegaram o pai e os irmãos. O pai examinou os dois animais mortos. Disse que eram fêmeas jovens. Nem vai precisar colocar na rama de mandioca para tirar o cheiro. Vamos ter fartura de carne e linguiça. O pai bateu de leve nas suas costas. Era isso um elogio. Foi nomeado o caçador da casa.
Mas isso era passado. O agora era achar qualquer caça. Mancava. Mesmo com a botina do irmão, dois números mais que o seu, a frieira incomodava. Decidiu. Ia pedir ao pai para ir à farmácia no patrimônio. Enfrentar injeção. Que seria dolorido, com certeza. Caminhou rumo ao cocho de sal no pasto. Teve sorte, disparou contra juritis.
Conseguiu três juritis que buscavam o sal das vacas. Colocou no embornal. Resolveu comer a feta de pão. Aí chegou, saltitante, Costelinha. O guaipeca trazia um préa na boca. Tirou o preá do cachorro. Em troca deu um pedaço de pão para Costelinha. Mais tarde, o cão conseguiu uma lebre. O cão era mais caçador que ele. Foi o que concluiu. Resolveu voltar.
A caminho de casa, ia a pensar em algo mais para comer. Fome de menino de 12 anos. Pensou que era tempo de goiabas. E num capão de mato próximo existiam goiabeiras. Apressou os passos trôpegos. A boca salivava goiabas do mato. Foi aí que viu. Em uma das goiabeiras, um casal de jacu banqueteava.
Era muita sorte. Jacus naquela hora do dia, menos de meio dia, eram raros. Que ele sabia essas aves gostam do entardecer, boca da noite, para se alimentarem. Preparou a cartucheira. Um jacu era mais carne que uma galinha. O pai ia ficar orgulhoso. Arrumou um ângulo melhor para o tiro. Não podia perder a oportunidade. Ajeitou a mira. Aí viu.
Um filhote de jacu. Toda a gana de abate desapareceu. Não ia deixar um filhote sem pai ou mãe. Lembrou as tias, a lamentar ele ser criado sem mãe. Menino que nasceu órfão. Criado sem mãe. Sentia isso de falta de mãe. Apesar dos cuidados do pai e dos irmãos. Decidiu desarmar a cartucheira. Assobiou para Costinha e tomou o rumo de casa.
Na primeira curva após o capão de mato o irmão mais velho esperava. Mandou ele subir na garupa do cavalo. Ele pensava que o irmão podia ter visto ele refugar no tiro aos jacus. Sentiu vergonha. Pensou em contar a razão. Resolveu se calar. Pode ser que ele nem viu. Chegaram em casa. Apeou da garupa. Ia entrar em casa quando o irmão chamou. Ei, não conte sobre os jacus ao pai. Aliviado, o menino sorriu.
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José Maschio é escritor e jornalista em Cambé, Pr.
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