. Todo cuidado é pouco com essa máscara, viu, Vi? Não, sua boba, empresto com prazer porque você sabe que é a minha neta preferida, e além disso tem outras coisas, sinto um arrepio só de imaginar que a minha máscara negra veneziana nariguda vai se soltar por essas ruas outra vez depois de meio século guardada numa caixa de chapéu com a tampa afundada, devia andar triste, a coitadinha, olha só esses olhos vazados caídos, tão merencórios. Ah, esses olhinhos viram coisa, Vi. Claro que não era como agora, era melhor, era pior.
. Diferente: eu nunca fui de folia e nem podia ser, sempre fui certinha. Seu avô, sim, aquele se esbodegava inteiro, saía no sábado pra voltar na quarta-feira que nem na música da camisa listrada, só que a fantasia dele, infalível, era de arlequim – conhece a música da camisa listrada? Ainda toca isso? Em vez de tomar chá com torrada ele tomou parati, não, imagine se vai tocar. Agora é diferente, pior, melhor, depende. Por exemplo, quando você casar, duvido que agüente o que eu agüentei. Não agüenta, Vi, mudou demais. Para melhor, nesse ponto eu acho que foi para muito melhor, porque se o seu marido um dia sair por aí com um canivete no cinto e um pandeiro na mão, sossega leão e tal, eu acho que você pode até aceitar, mas conhecendo você como eu conheço, eu sei que mal a porta bateu você vai sair também, você pra lá, eu pra cá, até quarta-feira, lalaiá, lalaiá. Sossega leoa – vai ou não vai? Pois eu acho que está certíssimo, querida, nós é que éramos bobas no meu tempo, eu era. Engolia, agüentava, chorava no travesseiro, noite em cima de noite perdendo o viço. Uma mulher guardada numa caixa de chapéu com a tampa afundada, cheiro de naftalina, ih, estou melosa, estou dramática, mas era assim. Não admira que os olhinhos fossem ficando merencórios, que o marido perdesse o interesse e procurasse cada vez mais passatempos, depois vinha cair na cama sem tirar nem o sapato. O seu avô, por exemplo: um homem bom, trabalhador, mas um patriarcão de antigamente, acho que um dos últimos. Pisada firme, vozeirão, chicote no cinto, chicote é maneira de dizer, que no Rio de 1950 ninguém usava chicote, mas você entende. Sua mãe não era nascida ainda, os outros quatro sim, aquela escadinha, e foi aí que ele me prometeu. O baile de máscaras do sábado de carnaval no casarão da Glorinha Pissaraçuba na Praia do Flamengo – não tinha programa mais cintilante, jóia social mais cobiçada naquele tempo. Era diferente demais, melhor, pior, eu não disse?
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