Acordou animada. Tinha vários compromissos. Seria um dia cheio. Tomou banho, escovou os dentes e penteou os cabelos. Usava cabelos curtos, quase à Joãozinho. Era por comodidade, não luxo estético. Dizia. E dinâmica, apesar de a idade, não tinha tempo para frescurites. Mas era vaidosa. E ainda mostrava resquícios de uma beleza. Beleza que a idade tentava esconder, mas não conseguia. E então aconteceu. Ao escovar os dentes, olhou para o espelho. E viu uma mulher. Uma mulher no espelho. Era familiar o rosto da mulher. O telefone tocou. Era a filha. Queria saber se estava tudo bem. Ela respondeu ao telefonema com educação. Mas não conseguiu identificar quem estava do outro lado. Desligou. Voltou ao espelho. A mulher no espelho era familiar. Mas quem seria? Vestiu-se. Pensou nos compromissos. Tinha reunião logo cedo. Mas não se lembrava com quem. Só sabia que tinha que sair. Chamou o elevador. Já na rua se deu conta que não havia pedido o taxista de sempre. Não se importou. Resolveu caminhar. Sem pensar no compromisso. Nas muitas atividades do dia. Na rua, as pessoas passavam cada qual com seus dilemas. O dela era descobrir para onde ia. E a razão de caminhar. Não atinava a razão, em uma desrazão inimaginável. Uma mulher a cumprimentou. Educada, retribuiu. E ficou a imaginar quem seria. Buscou na memória. A danada da memória não respondia. E sentiu, só sentiu uma percepção dolorida. Nem mesmo sabia quem era. Caminhou até uma loja de departamentos, com muitos espelhos. E a mulher do espelho a seguia. Em todos os espelhos. Era familiar. Só ela não conseguia saber quem era aquela. A mulher do espelho.
____________________________José Maschio é jornalista e escritor em Londrina, Pr.
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