Prestes e seus revolucionários em Foz do Iguaçu. Documentos Revelados expõe a história em seus fatos e contradições – foto: Reprodução
ESPECIAL De H2Foz / Por Paulo Bogler
“Só na foz do rio é que se ouvem os murmúrios de todas as fontes”, escreveu Guimarães Rosa. Jornalista, escritor e pesquisador, Aluízio Palmar decidiu não se deixar ir simplesmente com o fluir calmo, mas, pelo contrário, decifrar a fonte, ela a origem dos sussurros e contradições que podem dar voz ou fazer silenciar o que precisa ser dito.
Em busca de passar a limpo a sua própria história de militante contra o arbítrio, lançou-se a vasculhar arquivos, garimpando registros e inscrições da violência institucional que se fez norma pela ditadura civil-militar de 21 anos (1964–1985). Foi ao calhamaço de documentos sobre mortos, desaparecidos, torturados, presos, censurados, banidos e injustiçados.
O que resgatou e recolheu são mais de 80 mil documentos reunidos no portal Documentos Revelados, de acesso público e gratuito, muito do acervo referente à história de Foz do Iguaçu. São conteúdos selecionados, acompanhados da reprodução das peças documentais e imagens, e de textos explicativos que auxiliam a contextualização. .
Em 1986, edição do jornal do Diretório Acadêmico 7 de Julho mostra a luta dos estudantes da Facisa para a criação da Unioeste – Foto: Reprodução
Lançado em 2009, Documentos Revelados chega aos 15 anos, superando dez milhões de acessos. É uma bússola que ajuda a entender a formação da cidade e da sua gente. Farta, a documentação sobre Foz do Iguaçu compreende a colônia militar e a vigência do Território Federal do Iguaçu, abarca a década de 1940, desde o Estado Novo, cobrindo todo o regime militar, até 1985.
Documentos Revelados mantém vasto material pesquisado no arquivo da Delegacia da Polícia Federal de Foz do Iguaçu – Foto: Divulgação
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. Eram cerca de 300 peças no começo. Enquanto digitalizava a papelada, pesquisava os arquivos da polícia política do Paraná e de outros estados, das delegacias da Polícia Federal e da Coordenadoria Regional do Arquivo Nacional, em Brasília (DF). O portal foi crescendo com a ajuda de muitas doações de acervos particulares.
Eram os anos finais da década de 1960 quando Aluízio Palmar desembarcou em Foz do Iguaçu. Seu patrimônio era uma “mala de couro imensa”, rememora, só não maior do que os ideais que carregava. Aspirava a ajudar a derrubar a ditadura, restituir a democracia e caminhar no sentido de uma sociedade baseada na igualdade.
Nascido em maio de 1943, em São Fidélis (RJ), foi preso por sua militância política contra a ditatura e banido do país, trocado pelo embaixador da Suíça no Brasil, com mais 69 presos políticos. Após exílio e clandestinidade, Aluízio foi um dos editores do jornal Nosso Tempo, impresso em Foz do Iguaçu, de 1980 a 1994. É autor do livro “Onde Foi Que Vocês Enterraram Nossos Mortos?” e organizador do recém-lançado “Vozes da Resistência, Memórias da Luta contra a Ditadura Militar no Paraná”, com 60 coautores.
Marcha dos Colonos na Avenida Brasil, nos anos 1980, cobrando indenização justa para suas terras desapropriadas para a formação do lago de Itaipu – Foto: Joel Petrovski / Reprodução / Documentos Revelados
. O jornalista mantém o site Documentos Revelados com os próprios esforços, aos trancos e barrancos, conta, “movido pela vontade de lutar contra o apagamento da memória histórica”. O arqueólogo contra o esquecimento critica a inação do poder público em resgatar, salvaguardar e promover a história de Foz do Iguaçu em sua amplitude, nomeadamente a de viés popular.
“Aqui em Foz do Iguaçu, há um movimento de apagamento da memória, de não assuntos”, critica o homem octogenário. “Para construir uma cidade democrática é preciso conhecer o seu passado, a sua história, seus personagens. A não repetição de erros está intimamente relacionada ao conhecimento”, ensina. .
Aluízio Palmar: “Aqui em Foz do Iguaçu, há um movimento de apagamento da memória, de não assuntos” – Foto: Divulgação
E exemplifica: “Acabo de fazer uma palestra na universidade sobre a Coluna Prestes. São poucas as pessoas que conhecem esse importante episódio de nossa história”, sublinha. “A coluna, libertadora e não vencida, nasceu aqui em Foz do Iguaçu em abril de 1925. A formação do município passa por todos esses períodos, ciclos econômicos, expansões urbanas, formação de grupos políticos e de suas contradições e submissões”, reflete.
Ao conteúdo riquíssimo de Foz do Iguaçu veiculado no portal Documentos Revelados, adiciona-se, conforme Aluízio Palmar, o dispositivo de dados que mantém com capacidade de um terabyte de documentos específicos da colônia militar e da delegacia de polícia da época. A colônia, resgata-se, é marco da ocupação oficial da cidade pelo governo central.
Documentos Revelados conta que a expedição do tenente-engenheiro José Joaquim Firmino chegou à fronteira em novembro de 1889, encontrando uma região sob o domínio de empresas concessionárias da exploração de erva-mate e madeira-de-lei. Nos obrajes, os trabalhadores – mensús – eram submetidos a um sistema de semiescravidão.
Esse regime perdurou, ainda, com a presença dos militares. “Os mensús, uma derivação do espanhol mensualista, eram a mão de obra quase absoluta empregada nos trabalhos de extração”, cita. “Sua arregimentação era feita pela força, e eles deviam obediência irrestrita aos obrajeros e seus capatazes, com poder de vida e morte sobre os trabalhadores”, lê-se no site.
Demarcação do território do município de Foz do Iguaçu, na década de 1920 – Foto: Reprodução
. Traz à tona, o portal, que quando Bonifácio Palma veio morar em Foz do Iguaçu decidiu abrir um bar e restaurante na Avenida Brasil. Era 1955, vigorava a Lei da Faixa de Fronteiras, por isso precisou requer uma autorização especial para levar o empreendimento adiante.
A numerosa colônia árabe em Foz do Iguaçu foi alvo de espionagem pelos órgãos de segurança, entre 1964 e 1985, com “controle feito exaustivamente”, menciona o Documentos Revelados. As fontes reunidas e publicadas no site demonstram que houve perseguição étnica, ideológica e política a libaneses e pessoas de outras nacionalidades do mundo árabe. .
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Pioneiro, Tarquínio Santos, pai do ex-prefeito de Foz do Iguaçu Ozires Santos, foi submetido a infortúnios e perseguições simplesmente por causa de sua filiação política, ao Partido Comunista. Ele era farmacêutico e morava em Cascavel, então distrito iguaçuense.
Entre 1975 e 1976, houve expulsões, prisões e torturas de indígenas avá-guaranis, despojados da terra histórica ancestral para a construção da Itaipu Binacional. O portal reúne correspondências, denúncias e outros documentos, como os de autoria do advogado iguaçuense Antônio Vanderli Moreira, que defendeu a causa guarani.
Documentos mostram o monitoramento, pelos serviços de informação, de trabalhadores e atividades sindicais durante a construção da Itaipu – Foto: Reprodução
Muito antes de Reni Pereira, Foz do Iguaçu teve um prefeito execrado do Palácio das Cataratas sob a acusação de corrupção. Documentos Revelados reproduz boletim do Serviço Nacional de Informações (SNI) que relata falcatruas atribuídas ao então tenente-coronel José Carlos Toledo, interventor na prefeitura nomeado pelo regime.
“No período da ditadura militar, os prefeitos das cidades de fronteira eram nomeados”, explica a nota do portal. O boletim do SNI veiculado aponta irregularidades como gasto exagerado para a cerimônia de posse e a cobrança de “15% de comissão sobre as compras e contratos efetuados pela prefeitura”, registra.
Criado para facilitar e popularizar documentos históricos. Curador: Aluízio Palmar. Acesse, documentosrevelados.com.br
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