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Carrulim: Ha pépe ndaipóri la mala onda opytáva.” (Dizer popular paraguaio. Tradução livre: Não há maré ruim que resista).
O carrulim é uma beberagem da qual se toma um trago – ou três e até sete, em versões mais generosas da lenda – no primeiro dia de agosto. Assim, se renova o sangue e se afasta todos os males e azares que o oitavo mês do ano possa trazer consigo. De troco, ainda se pode curar um resfriado e amainar uma gripe sanzonal. O nome da bebida vem de sílabas e letras dos seus ingredientes. Em espanhol, CA (caña) RU (ruda) LIM (limón),
Na fórmula mais tradicional do santo remédio, em primeiro lugar, claro, a fé em si mesmo e uma outra boa dose da mesma fé nos ‘yuyos”. Depois, aguardente de cana (cachaça), galho de arruda e limão. Diga-se de passagem no inverno e independente do seu uso mais emblemático, pelo menos contra resfriados e gripes, um “carrulim” vai muito bem.
Ingredientes para três doses: 1 copo americano de cachaça branca 2/3 de limão (de preferência do rosa ou cravo) 1 punhado pequeno de folhas de arruda
Num recipiente um pouco maior que o copo, esprema o limão. Acrescente a cachaça e as folhas de arruda. Macete levemente as folhas, apenas para que soltem o perfume. Sirva em copos separados.
Claro, há variações a partir do esqueleto da receita original. Dessas, destacamos as que somam guavira pire (casca de pé de guabiroba) e katuáva (sim, aquela velha conhecida planta, usada como energizante em praticamente todo o território por onde andaram pés guaranis). Segundo os estudiosos praticantes, esses dois ingredientes ditos secundários podem dar um sabor mais encorpado enquanto diminuem o cheiro forte da cachaça.
O carrulim pode ser tomado individualmente, com um trago ao se deitar, outro ao se levantar e um derradeiro durante o dia. Melhor ficava quando bebido em grupo. Antes da pandemia do coronavírus, um copo ou uma caneca rodava bem entre amigos, parentes e vizinhos, cada um sorvendo um pequeno trago, preparando o físico, aumentando a sorte e aquecendo a solidariedade perante as mazelas do meio do inverno.
Desde 2020, os tempos são outros, com um desafio de sobrevivência muito mais delicado do que qualquer desventura que alguém já tenha passado. Pois, pois. Ainda que arrefecida, a peste que nos levou a cuidados extremos assim, infelizmente, não acabou. Anda por aí no inverno e até acompanhada de outras viroses menos conhecidas. Então, rigorosamente, o carrulim deve continuar sendo tomado individualmente. Cada qual com seu copo, cada qual de preferência no seu quadrado.
A amizade, pode apostar, transcende a proximidade física e o compartilhamento da mesma taça, bico a bico. O que vale mesmo é o carrulim e a força que ele tem de nos fazer pensar nos outros. Para esta parte da tradição, que é o que importa, tudo continua igual e esperando por nós.
Dizem por aí que o ritual do carrulim vem perdendo terreno no Paraguai. Sendo encarado apenas como uma “superstição sem muita propriedade”, principalmente pelo mais jovens. Ainda assim ele continua vivo e ganhando adaptações. Veja que nos últimos anos se estabeleceu comércio da beberagem e até delivery de carrulim na fronteira, incluindo abastecimento dos adeptos em Foz do Iguaçu.
Para quem reconhece no costume popular boa dose de saúde e sapiência, ficam dicas importantes. A primeira é a de que o evento é uma celebração e moderar no consumo de álcool também neste caso é super recomendado para que desdobramentos ruins não possam acontecer.
A segunda é que, para reforçar a mágica do Carrulim, durante agosto e depois dele em todos os meses que vierem, aconselha-se seguir com a erva-mate e outras plantas medicinais. No chimarrão ou tereré, quente ou frio, não tem como se deixar faltar tarope, vervéna’i, ajenjo, ka’apiky, pyno’i, arruda e jaguarete caá.
Por último, priorizar aquilo que está em projeção nas filosofias que ajudaram a Humanidade a se elevar: Solidariedade. Especialmente no inverno dividir o pão e o agasalho, mais além do calor efêmero de um aguardente, é fundamental para a sobrevivência dos sonhos coletivos. Em todos os lugares e momentos que virão no resto do ano também vale a premissa da alteridade. Fazendo-se assim, não há maré feia, com suas vakas piru (vacas magras) que resista.
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