A produção abundante e em harmonia com a natureza é um sonho real para muitas famílias das comunidades camponesas do Paraná. – Foto: Juliana Barbosa
Em um cenário de aquecimento global acelerado, com 2023 registrado como o ano mais quente da história e 2024 seguindo a mesma tendência, especialistas apontam a agroecologia como solução para enfrentar os desafios climáticos e sociais. Essa abordagem promove uma agricultura sustentável, capaz de combater a crise alimentar e fortalecer comunidades vulneráveis.
Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de 800 milhões de pessoas passaram fome no planeta em 2023, embora a produção global de alimento tenha gerado alimentos suficiente para alimentar todo o mundo.
A FAO também estima que o mundo perdeu aproximadamente 75% da diversidade de cultivos no século passado. Em muitos lugares, a produção de alimentos ricos em micronutrientes importantes para os seres humanos foi sendo deixada de lado, em detrimento de cultivos mais lucrativos.
“A agroecologia vai além da questão da forma de cultivo das plantas e criação animal, considerando a interação homem-ambiente-produção de alimentos, ela pode trazer soluções interessantes como alternativa para a crise climática. Alguns exemplos são a diversificação de culturas, menor uso de agrotóxicos, diversificação ambiental na propriedade rural através de medidas de convivência”, destaca Eduardo de Sá Mendonça, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
O relatório Agroecology and the Right to Food (Agroecologia e o Direito à Alimentação), elaborado pelo relator especial da ONU Olivier De Schutter, destaca que a agroecologia é capaz de alimentar populações vulneráveis, reparar danos ambientais e fortalecer a agricultura familiar. “A agroecologia oferece um modelo que equilibra justiça social e sustentabilidade ambiental”, afirma De Schutter em divulgação do relatório.
Bruna Zimpel, produtora agroecológica e integrante da Direção Nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) pelo Paraná, reforça essa visão. “A agroecologia, é um projeto de sociedade que desafia o capitalismo destrutivo. Ela promove relações emancipatórias e um cuidado maior com a natureza, além de produzir alimentos saudáveis”.
Ao contrário da agricultura industrial, a agroecologia contribui para a mitigação das mudanças climáticas ao emitir menos gases de efeito estufa e reduzir a erosão ecológica causada pela mecanização intensiva. Ela descentraliza a produção, promovendo práticas agrícolas em pequena escala que tornam as culturas mais resilientes a choques climáticos.
Embora haja um equívoco de que a agroecologia não seria capaz de alimentar grande populações, estudos mostram que pequenos agricultores já fornecem cerca de 80% da produção alimentar na Ásia e África subsaariana, enquanto a agricultura industrial prioriza exportações, beneficiando principalmente multinacionais, sem retorno aos agricultores.
Mas a transição para a agroecologia enfrenta barreiras significativas. Segundo Bruna Zimpel, “a falta de programas de formação e divulgação dessas práticas impede a adoção em larga escala. Muitas vezes, o conhecimento é passado de família para família, em um trabalho de formiguinha”. Além disso, é preciso mais financiamento público para apoiar sistemas alimentares sustentáveis e fomentar a soberania alimentar, priorizando o bem-estar dos pequenos produtores e o uso de alternativas aos agrotóxicos.
Na perspectiva de futuro, a agroecologia é citada como alternativa fundamental para o enfrentamento às mudanças climáticas. As alterações no clima, apontam cientistas, são consequência direta da degradação ambiental provocada por ação humana, como desmatamento, queimadas, uso intensivo de agrotóxicos na agricultura, entre outras ações nocivas à vida no planeta.
No Paraná, a agroecologia já está transformando vidas. A Agrofloresta Papa Francisco, em Curitiba, é um exemplo de como essa prática pode recuperar áreas degradadas e fornecer alimentos saudáveis. Mantida pelo Centro de Assistência Social Divina Misericórdia em parceria com o Coletivo Marmitas da Terra e o MST, essa agrofloresta gera alimentos para mais de 500 pessoas em situação de vulnerabilidade.
No Sudoeste do estado, mulheres do MST estão à frente de coletivos que debatem e reivindicam direitos, especialmente o direito à alimentação saudável. “Nos assentamentos, a luta é construída em família, mas as mulheres têm um protagonismo significativo, debatendo cooperação e produção coletiva. Elas compreendem o que é um alimento de verdade”, afirma Zimpel.
Márcia Borges, moradora do acampamento Fidel Castro, em Centenários do Sul, Norte do Paraná, celebra a conquista da certificação orgânica para a produção de hortaliças, destinadas ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). “Estamos emocionados por entregar alimentos saudáveis e livres de agrotóxicos para as escolas. Isso nos incentiva a continuar e engajar mais pessoas na agroecologia”.
O maior desafio na transição para a produção agroecológica, segundo ela, foi romper com os métodos convencionais de cultivo. “Eu estava acostumada com o modelo convencional, onde tudo era permitido. O grande desafio foi aprender a combater pragas de maneira sustentável e entender como produzir de forma saudável”, relata. Hoje, ela se orgulha da mudança. “Saber que estamos produzindo nosso próprio alimento saudável e gerando renda é uma grande satisfação”, comenta.
Em setembro, 36 famílias sem terra, integrantes do Centro Antônio Tavares de Produção de Alimentos Saudáveis, comemoraram a conquista da certificação orgânica para a horta coletiva onde trabalham há seis anos. Fundada em 2018, a horta se tornou um exemplo de produção sustentável.
O avanço na produção agroecológica faz parte do projeto de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) Semeando Gestão, que visa fortalecer a organização produtiva e sustentável. A iniciativa tem como objetivo incentivar a produção de alimentos livres de químicos, abrangendo 2,5 famílias do campo em todo o Paraná. O projeto é uma parceria entre a Itaipu Binacional, a Cooperativa Central da Reforma Agrária (CCA) e o Parque Tecnológico Itaipu (Itaipu Parquetec).
Ao todo, 31 entidades, entre cooperativas e associações da reforma agrária e da agricultura familiar, participam do projeto, com a missão de qualificar e expandir a produção sustentável. Entre essas organizações estão a Terra Livre, do assentamento Contestado, a Copavi, de Paranacity, e a Maria Rosa do Contestado, de Castro, todas já certificadas com produção 100% agroecológica.
Essas cooperativas também fornecem produtos para programas como o Pnae e o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), garantindo alimentos de qualidade para escolas públicas e cozinhas comunitárias.
A diversidade da produção agroecológica do Paraná é celebrada anualmente na Feira da Agrobiodiversidade Camponesa e Popular, parte da Jornada de Agroecologia. Neste ano, a Jornada aconteceu entre os dias 4 e 8 de dezembro, no Centro Politécnico da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
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