“Seu nome é Argemiro dos Santos, mas de todos é conhecido por “Marujo”, notável no mar e no rio Paraná, notável também no esporte e na música. Nasceu no Rio de Janeiro em 1926, aqui casou com Dona Guilhermina, com quem teve os filhos Darley, Vanderley (*) e Fátima. Em Foz, vive continuando a história de aventuras e feitos que conta nesta entrevista”. (*Juvêncio Mazzarollo) Atualização: Argemiro dos Santos faleceu em setembro de 2019.
– Como começou a vida do “Marujo”, ou Argemiro dos Santos? – Tive uma infância pobre no Rio, de menor abandonado, como se diria hoje. Nem mesmo conheci meus pais. Trabalhei como engraxate e me abriguei na casa dos Esportes. Quando tinha uns 15 anos, foi lá um fazendeiro de São Paulo buscar gente para trabalhar na fazenda dele e eu fui. Aos 18 anos voltei ao Rio novamente como engraxate. Foi quando fiquei sabendo que a Marinha convocava voluntários para a Segunda Guerra Mundial. Eu me apresentei, fui admitido e enviado à Escola de Marinheiros.
– E foi à Guerra? – Não propriamente á Guerra, mas buscar uma tropa pela FEB na Itália. Era para embarcar no navio Camaquã, mas este afundou, então fomos no navio Duque de Caxias. Do Rio fomos direto até o Estreito de Gilbraltar. Passamos por Portugal, França e Itália, onde estava a tropa da FEB.
– Como foi a viagem? – Boa. Tínhamos que catar minas no mar. Junto viajava uma tropa de militares italianos cujo navio afundou, por isso estavam retidos no Porto de Santos. O governo brasileiro aproveitou nossa viagem para manda-los de volta à Italia.
– Cumprida essa missão, o que o senhor passou a fazer? – Voltei à Escola Naval. Em 1949 vi na parede da Escola uma convocação: “Quem quer ir para Foz do Iguaçu?” De Foz do Iguaçu eu sabia das Cataratas porque na Cinelândia havia um desenho delas, ruim por sinal. Resolvi topar o desafio. Viemos eu e um certo capitão Mendes.
– A viagem deve ter sido uma epopeia? Como vieram do Rio até Foz do Iguaçu? – Fomos até São Paulo de trem maria-fumaça. Ficamos lá duas semanas esperando o trem que nos levaria até Ourinhos e de lá até Porto Epitácio. Aí disseram que iríamos até Guaíra de barco. Eu nunca tinha ouvido falar de Guaíra, nem das Sete Quedas. De Guaíra fomos até Porto Mendes naquele trenzinho que hoje está exposto em Guaíra. E de Porto Mendes até Foz viemos no navio Cruz de Malta, que transportava erva-mate para a Argentina.
– Enfim, chegaram em Foz do Iguaçu. Que impressão teve do lugar? – Chegamos ao Porto Iguaçu e o capitão Mende disse “é aqui Foz do Iguaçu”. E eu: “Mas como? Não estou vendo nada!” Na barranca do rio Paraná estavam o batalhão do Exército e a Marinha numa velha casinha de madeira. Na Marinha éramos eu, o comandante Pimentel o capitão Mendes e um artilheiro. No dia seguinte, o comandante me mandou buscar leite a cavalo na propriedade de um tal de Samek. Então vi o que era Foz do Iguaçu, uma casinha aqui, outra ali, mato por todo lado. A vida foi indo, foi indo, eu fui ficando, casei, tive três filhos que criei na base do feijão com arroz.
– Mas que história é essa de que a Marinha era composta de apenas quatro pessoas? – É verdade. Aumentou o contingente depois com a vinda do Corpo de Fuzileiros Navais por causa de uma provocação dos paraguaios, que sequestraram um companheiro nosso, que chamávamos Alemão.
– Os paraguaios sequestraram um marinheiro brasileiro? Como foi isso? – O Alemão estava fazendo guarda no rio Paraná. Veio um barco paraguaio e sequestrou o Alemão com seu barco. O comandante Pimentel foi ao Paraguai negociar a devolução, mas nada conseguiu, então pediu reforço. No dia 7 de setembro 1950 chegou o corpo de Fuzileiros. Saltaram de para-quedas e tomaram conta do Rio Paraná. Foi uma provocação do Paraguai, que inclusive mandou um pelotão de reforço de Encarnación.
– Os paraguaios se renderam? Devolveram o Alemão e o barco brasileiro? – Sim. Mais tarde, porém num jogo de baralho, o Alemão foi morto por paraguaios.
– Que outras histórias tem para contar de sua vida de marinheiro, da Capitania dos Portos do rio Paraná? – Havia naquela época muito contrabando entre Brasil e Paraguai. O que hoje é Receita Federal era Mesa de Rendas, que pedia ajuda à Marinha para reprimir e prender contrabando de farinha, café, cachaça… Certa vez fomos prender um contrabando de cachaça paraguaia Aristocrata, no Porto Britânia, perto de Toledo. Prendemos o contrabando e carregamos num caminhão. Na viagem para Foz do Iguaçu, naquela estrada estreita e poeirenta, nosso caminhão se chocou com outro que levava uma mulher doente para Céu Azul. No acidente eu quebrei uma costela.
– O senhor ficou na Marinha até quando? – Até 1978, quando me aposentei. Para efeito de aposentadoria, quem trabalhava na fronteira contava dois anos para cada ano de trabalho. E nós que participamos da repartição da FEB ainda estamos lutando por uma promoção nos quadras da Marinha para melhorar a aposentadoria. Eu tenho Diploma da Medalha de Serviço de Guerra dado pela Marinha em 1958, e diploma deve valer alguma coisa, não?
– Outro campo em que o senhor se destacou foi como músico… – Sim. Comecei a aprender música na fazenda em que trabalhei em São Paulo. Quando veio a Foz do Iguaçu o corpo de Fuzileiros navais havia entre eles um tal de Alípio que tocava pistão. Eu tocava bombardino, então procuramos outros músicos e formamos um conjunto. O que tocávamos em carnaval e outras festas não está escrito. Toquei com muita gente boa. Nosso conjunto tocava em todas as cidades da região, principalmente Cascavel. Íamos até Pato Branco, inclusive. Toquei com o Nico, como Chapéu de Palha, Zé Américo, Os senhores do Samba. E não dá de esquecer do conjunto Os Pitungas Boys, formado por mim, Roberto Simões, o falecido Toto Palma, Darci Werner.
– E o marujo esportista também tem suas glórias como jogador de futebol. Quais seus grandes feitos futebolísticos? – Ainda no Rio de Janeiro, havia um time de Niterói, o Biro da Fonseca, nome de um bairro de lá, que tinha o famoso atacante Zizinho, com quem dizia-se que ninguém podia. Foi craque do Botafogo, jogador rebelde, criador de caso dentro e fora do campo. Quando algum time jogava contra o time dele em Niterói vinham me buscar de barco para que eu fosse jogar e marcar o Zizinho. Comigo ele não tinha moleza, não. Também joguei em São Paulo, quando lá trabalhei por volta de 1939/40. Joguei em várias cidades de São Paulo, sem ganhar nada, só por esporte e amor à camisa. Ganhava comida e passagem de trem. Se o jogo era no domingo tinha que embarcar na sexta-feira para São Paulo. Viajava tomando conhaque…
– Jogava no Palestra Itália, mas pelas fotos na parede de sua casa, é santista. – Sim, sou torcedor do Santos.
– Mas aqui em Foz do Iguaçu o craque Marujo deixou que marcas nos gramados? – Quando cheguei aqui, em 1949, dona Elisa Vera (*) foi me receber com flores no porto, porque eu vinha com fama de ser bom jogador de futebol. O futebol aqui mexia com cidade inteira e todos os clubes me queriam em seus times. O capitão Cyriaco, da Marinha, me fez jogar no Iguaçu, time fundado por ele. Depois saí e joguei muito no ABC Esporte Clube. Joguei muito também em Cascavel. Fui inclusive um dos fundadores do Tuiuti Esporte Clube. Em Foz fui tricampeão pelo ABC.
– Quais eram os mesmo times de futebol de Foz do Iguaçu nas décadas de 50,60? – Havia o ABC, o Guairacá (dos militares do Exército), o Iguaçu e o Industrial Madeireira.
– Jogavam também contras times do Paraguai e da Argentina, não? – Muito. No dia 7 de setembro era tradição virem times do Paraguai e da Argentina para um torneio. E nas datas nacionais deles nós íamos jogar lá. O Brasil sempre ganhava. Nunca perdemos nesses jogos. O povo todo ia ao estádio, até porque a entrada era franca. Infelizmente hoje não se fazem mais aqueles jogos no dia da Pátria. Aquele torneio deveria voltar. Eu também fui muitas vezes jogar em Assunção. Jogava pelo Desportivo Desayno. Vinham me buscar de Jeep. Chovia muito. Viajamos com correntes nas quatro rodas, com pás e picaretas para tirar o Jeep dos atoleiros. Saímos de Foz na sexta-feira e chegamos a Posadas no domingo, na hora do jogo, e eu tive que entrar em campo assim mesmo. – Que fim levou os “Pitungas”? – Os Pitungas Boys acabou. Agora só temos um trio: eu no pistão, o professor Gil na guitarra e órgão, e o Toninho no órgão eletrônico. Nossa musica é universal.
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* Notas da edição: 1 – O filho Vanderley faleceu anos depois da entrevista concedida. 2 – Elisa Vera, na época, era uma espécie de rainha do clube Iguaçu. 3 – O jornalista Juvêncio Mazzarollo faleceu em 2014. 4 – Argemiro , o Marujo, faleceu em setembro de 2019.
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