“Sem Reclamar”, para a autora, é um clipe-protesto e quebra com o ciclo da falta de acesso – Foto: Leticiah Futata
. A artista curitibana Amanda Lyra lançou o clipe “Sem Reclamar”, com canção que critica o olhar capacitista para com a diversidade de corpos que existem. A música vem acompanhada do primeiro videoclipe da artista, produção acessível, com elenco composto por pessoas com deficiência em um lugar de protagonismo e destaque.
Toda a comunicação musical do vídeo foi pensada por pessoas com deficiência para contemplar as diferentes linguagens de acesso à música e ao seu significado. Haverá uma segunda versão do clipe com audiodescrição, o que também possibilitará a reprodução da obra em podcasts.
O roteiro e a letra da música serão disponibilizados em texto, para que pessoas surdo-cegas também tenham acesso por meio de uma página para a navegação com display braile. Além da janela em libras, outro recurso para pessoas surdas e com baixa visão, é o estilo de legenda, dinâmico e colorido, para ser acompanhado como karaokê, em alto contraste e em velocidade pensada para facilitar a compreensão de pessoas neurodiversas e neurotípicas.
“Sem Reclamar”, para a autora, é um clipe-protesto e quebra com o ciclo da falta de acesso, disponibilizando recursos para que todo mundo possa curtir.
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Brasil de Fato Paraná: Como sua carreira artística se encontra com sua trajetória pessoal?
Amanda Lyra: Venho de uma família de artistas. Aos nove anos, comecei dando “palhinha” com meu pai em shows. Aos 16, comecei a tocar na noite curitibana e aos 21, fiz meu primeiro show em teatro. De lá para cá, nunca parei. Sempre fui uma pessoa com deficiência, nasci com atrofia muscular espinhal do tipo 3 e me tornei cadeirante há cinco anos, quando caí de uma escada.
A cadeira ressignificou minha vivência enquanto mulher com deficiência e eu entendi que precisava dialogar com a linguagem que eu conhecia, a música. Comecei a compor sobre essa questão da deficiência, preconceito e como me sentia com isso. Hoje entendo que meu propósito de vida é mobilizar estruturas para que as pessoas com deficiência possam ocupar todos os lugares.
. Gostaria que você contasse sobre o novo trabalho.
Toda a produção cultural, musical e audiovisual, especialmente relacionada à música, nunca contemplou outras realidades e linguagens que não a padrão. Muita gente já trabalhou com alguma forma de “acessibilização”, como inserir legendas, libras etc.
Porém, nosso projeto já nasceu acessível porque em todas as partes do caminho, concepção do roteiro, proposta, recursos de acessibilidade, direção de arte, tudo passou por uma consultoria de pessoas com deficiências. A gente protagonizou todo o projeto. O lema é “nada sobre nós sem nós”.
Por exemplo, a parte de libras do clipe não é feita por duas pessoas ouvintes que escutaram a música e a interpretaram e estão contando para um surdo. São duas pessoas surdas que criaram a versão junto comigo, porque me comunico em libras. A gente está provando que não é necessário atrelar uma pessoa sem deficiência aos trabalhos com pessoas portadoras de deficiências.
. O que falta no mundo artístico para mais trabalhos como este?
É pensar que existem outros públicos. No Brasil temos mais de 45 milhões de pessoas com deficiência. Tanta coisa que podemos argumentar para criar outros tipos de linguagens e comunicação entre a música e vários tipos de pessoas.
Inclusive, estamos estruturando um site com versão de outro tipo de audiodescrição, mais técnica, e mesmo assim poética, em texto, para que pessoas surdas-cegas possam acessar. A gente pode fazer pontes entre pessoas que não escutam e a música, temos tecnologia e recursos para isso.
Além da boa vontade, de mais artistas entenderem que não existe só a sua realidade no mundo, é dar voz a mais causas e oportunizar que mais gente tenha acesso ao seu trabalho.
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