Piazzolla: “A música é a arte mais direta, entra pelo ouvido e vai ao coração.” – Foto: © BRIGANI-ART/HEINRICH via www.imago-images.de
O bandoneón é um instrumento aerófono livre com aparência similar à sanfona. Muito popular na Argentina e no Uruguai, é considerado o principal instrumento do tango e, nas mãos do gênio Astor Piazzolla, atravessou fronteiras e revolucionou o ritmo tradicional portenho.
Astor Piazzolla completaria 100 anos nesta quinta-feira (11). Nascido em Mar del Plata, na Argentina, no dia 11 de março de 1921, foi, junto com a família, para os Estados Unidos aos 4 anos de idade. Com 8 anos, ganhou o seu primeiro bandoneón. Com 14, teve a honra de conhecer Carlos Gardel e se tornou amigo do mais famoso cantor de tango da história.
A amizade e o talento de Piazzolla renderam dois convites por parte de Gardel. O primeiro, para participar como figurante do filme El Dia Que Me Quieras, foi aceito. O segundo foi para integrar a equipe de Gardel durante uma turnê, em 1935. Como Piazzolla era menor de idade, os pais dele não permitiram que o filho viajasse. A negativa, ironicamente, pode ter salvo a vida do jovem. Naquele ano, Gardel e membros de sua banda morreram em um acidente aéreo em Medellín, na Colômbia, cidade que estava na agenda de apresentações.
Piazzolla, junto com a família, voltou a Mar del Plata em 1936. A partir daí, ele começou a tocar em conjuntos e mergulhou no mundo do tango. No ano seguinte, mudou-se para Buenos Aires. Depois de integrar a orquestra de Aníbal Troilo (outro grande bandeonista da história) por alguns anos, passou, no final dos anos 1940, a seguir seu próprio caminho e a inserir elementos do jazz no tango, como na canção El Desbande.
Violoncelista britânico radicado no Brasil, David Chew destacou, em depoimento concedido à Rádio MEC, a inovação como um marco na obra de Piazzolla: “Como compositor de tango e bandeonista, ele revolucionou o tango tradicional, transformando-o em um novo estilo de tango, incorporando o jazz e o jazz latino-americano”, conta.
Naquele período, Piazzolla também começava a trilhar o caminho da música clássica. Estudou piano com o compositor Alberto Ginastera e, em 1954, conseguiu uma bolsa de estudos para estudar na França com a professora Nadia Boulanger. “Ele estudou um ano na França com o sonho de ser músico clássico. E, à noite, tocava tango para viver”, diz o neto Daniel Piazzolla.
Daniel conta que foi Nadia Boulanger que ajudou o avô a se libertar ainda mais e seguir como compositor de tango. “Um dia Nádia disse a ele: ‘Piazzolla, você pode tocar algo seu? Eu sei que você tem algo seu aí’. Meu avô se recusou. Nadia insistiu e meu avô disse ‘Ok, está bem então’. Ele começou a tocar, Nádia agarrou suas mãos e disse isso: ‘Isto é seu. Isso é Piazzolla. Não abandone isso nunca’ E aí ele começou a tocar. Foi a decisão final”. Naquele mesmo ano, ele gravou com Lalo Schifrin Two Argentinians in Paris.
Ao misturar o tango com a música erudita e o jazz, Piazzolla criou algo novo, que passou a chamar de “música contemporânea de Buenos Aires”. Entre idas e voltas para a Argentina, Astor Piazzolla morou nos Estados Unidos, Itália e realizou trabalhos em diversos países, inclusive o Brasil. Um de seus parceiros de composição foi o poeta brasileiro Geraldo Carneiro.
Carneiro relata, em depoimento à Rádio MEC, que teve o primeiro contato com Piazzolla em 1972, mas que não teve coragem de se apresentar ao bandeonista. “Tive o privilégio de ser parceiro de Astor, que conheci em 1972. Aliás, não conheci. Fui ver o show dele no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, levado por meu parceiro Egberto Gismonti. Ficamos fascinados, tão fascinados, que não fomos sequer cumprimentá-lo depois do show. Aquela música nos pareceu de uma divindade”, conta.
Apenas no ano seguinte que o convite chegou por parte do próprio Astor Piazzolla. “Para minha surpresa, no ano seguinte Nana Caymmi me telefonou dizendo que Astor Piazzolla estava no Brasil, tinha ouvido o disco de Egberto Gismonti que tinha letras minhas – chamava-se Água e Vinho esse disco -, e queria fazer música comigo. Eu fui imediatamente encontrá-lo no Hotel Glória e fizemos uma canção. Levei uma letra para ele. Chamava-se As Ilhas. Foi nossa primeira canção”, relata.
Em 1974, Piazzolla (que estava morando na Itália) gravou essa música. Ela acabou sendo cantada por Ney Matogrosso em seu primeiro disco solo, após a saída do Secos e Molhados. A parceria entre Piazzolla e Carneiro rendeu 12 composições nos anos seguinte. Algumas delas foram gravadas no Brasil (pelo grupo as Frenéticas e por Olívia Byington) e na Argentina.
Astor Piazzolla se manteve ativo, com apresentações em diversos países, até sofrer um AVC em 1990. Ele morreu dois anos depois, em 4 de julho de 1992. O bandeonista deixou 3 mil composições (sendo que cerca de 500 gravadas) e um legado que influenciou músicos na Argentina e em outros países.
O baterista argentino Roberto Rutigliano está realizando um trabalho em homenagem a Astor Piazzolla, em que mistura diversos ritmos. E sua inspiração é o estilo vanguardista do bandeonista: “Eu sou amante do tango e também da mistura que ele faz do tango com a música clássica, com elementos inovadores. Ao mesmo tempo em que ele é uma pessoa que tem a plena tradição do tango por tocar bandoneón, ele é também uma pessoa que tem um diálogo com outros tipos de estilos. Eu também me identifico com esse tipo de estética”, diz.
Nascida em Buenos Aires e radicada no Brasil, a pianista Estela Caldi compõe, junto com os filhos (brasileiros), o grupo Libertango – nome de um dos sucessos de Piazzolla. Em 25 anos de carreira, o grupo tem cinco CDs, dois deles dedicados exclusivamente à obra de Piazzolla.
Estela destaca que o caráter disruptivo de Piazzolla é fonte de inspiração. “Levo o tango tradicional dentro de mim, ouço desde criança. Piazzolla rompe com esse padrão, revoluciona e representa no meu imaginário auditivo a ‘oitava superior’ desse gênero tão apreciado pela maioria. Piazzolla virou um fenômeno mundial, um exemplo de inspiração e uma fonte de profundas emoções”, diz.
A violonista venezuelana radicada no Brasil Carla Rincon coloca Astor Piazzolla no patamar de outro gênio da música do continente: Heitor Villa-Lobos. “Piazzolla, assim como Villa-Lobos, foi um revolucionário em seu país e no mundo. De coração, digo: entre Piazzolla e Villa-Lobos, temos muito que nos orgulhar dessa música latino-americana”.
Em depoimento à Rádio MEC, músicos destacam importância do bandeonista que revolucionou o tango. Para ouvir e pausar, clique nas imagens.
David Chew Violoncelista Músico britânico radicado no Brasil, violocenlista David Chew fala sobre a revolução que Astor Piazzolla promoveu no tango com suas composições (Foto: Partituras/TV Brasil/Divulgação)
Roberto Rutigliano Baterista Baterista argentino Roberto Rutigliano fala sobre a influência da música de Astor Piazzolla em sua trajetória musical e relembra relação como espectador (Foto: Nego Bom do Jazz/Divulgação)
Daniel Piazzolla Baterista Neto de Piazzolla relembra o momento em que, na França, Piazzolla resolveu se aprofundar como precursor de um novo estilo de tango (Foto: Singulares/TV Brasil/Divulgação)
Estela Caldi Pianista Pianista argentina radicada no Brasil criou, com os filhos, um grupo com o nome de uma das músicas de Piazzolla e fala sobre importância dele em sua carreira (Foto: Cynthia C/Divulgação)
Carla Rincon Violinista Violinista analisa importância de Piazzolla na música latino-americana e cita caráter revolucionário do argentino (Foto: Luthiers/TV Brasil/Reprodução)
Geraldo Carneiro Poeta e compositor Poeta brasileiro relembra parceria que resultou em 12 composições, dentre elas, uma música gravada por Ney Matogrosso (Foto: TV Brasil/Reprodução)
Por Agência Brasil
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