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Crédito: projeto MycoAntar
Junto com a profundeza dos oceanos e o espaço, a Antártida é uma fronteira ainda desconhecida pela humanidade. Ali, onde as temperaturas podem chegar a 80ºC negativos, pesquisadores vêm desenvolvendo diferentes estudos. O local também é alvo de pesquisas da UNILA.
O docente Michel Passarini, do curso de Biotecnologia e do Programa de Pós-Graduação em Biociências, estuda bactérias presentes na Antártica e está com viagem marcada para o continente gelado para a coleta de amostras. Em novembro, ele deve partir com outros pesquisadores para uma temporada na Estação Comandante Ferraz, localizada na ilha Rei George, a 130 quilômetros da Península Antártica, na baía do Almirantado.
Na entrevista completa à série ¿Que Pasa?, Passarini fala também sobre as características dos micro-organismos encontrados na Antártica, o potencial das pesquisas ali desenvolvidas, as pesquisas que já orientou a partir de material coletado no continente, o tratado da Antártica, aquecimento global e sobre a sua trajetória como pesquisador.
O docente faz parte do projeto MycoAntar, coordenado por Luiz Henrique Rosa, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O MycoAntar é um dos projetos que integram o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), voltado para exploração científica do continente gelado. O objetivo do projeto é pesquisar a biodiversidade e realizar a bioprospecção de fungos do ambiente antártico.
Passarini desenvolve pesquisas de biorremediação: processo no qual organismos vivos, como bactérias, fungos e plantas são utilizados para reduzir ou eliminar um poluente ambiental. Seu foco são os micro-organismos, mais especificamente, as bactérias. “Os microrganismos são muito mais fáceis de a gente manipular no laboratório e crescem rápido – uma bactéria cresce em 24 horas”, explica. Ele lembra que há uma percepção geral de que, em ambientes tão extremos, como a Antártica e o Ártico, não há vida. “Parece realmente que a vida não se desenvolve ali, mas não é bem assim. Principalmente os micro-organismos unicelulares bacterianos têm a característica de adaptar-se a esses ambientes.”
As pesquisas no continente antártico, explica o docente, abrangem diferentes áreas e têm potencial para atender desde a indústria de alimentos até a produção de bioenergia. As pesquisas também podem levar ao desenvolvimento de medicamentos. “Uma molécula pode ter atividade antimicrobiana [para ser usada no tratamento de] doenças negligenciadas aqui no Brasil”, exemplifica.
O objetivo é reproduzir as amostras em laboratório, mas isso nem sempre é possível. “Numa amostra ambiental, a gente consegue recuperar até 10%, no máximo 15%, do que está ali porque a gente não consegue reproduzir em laboratórios as condições ambientais”, explica. Muitas informações são obtidas a partir do DNA dos microrganismos. “Muito dos microrganismos novos que estão sendo descobertos só sabemos que eles existem a partir de informação de DNA. E tem muita coisa nova.”
Passarin não vê preocupação com a possibilidade de um acidente e uma possível pandemia a partir do cultivo em laboratório de bactérias coletadas na Antártica. “Vai ser muito difícil isso acontecer porque ela não vai sobreviver no ambiente que a gente tem. A nossa temperatura corporal é 37 graus. Não vai crescer.”
O pesquisador ressalta que as pesquisas na região vêm aumentando e um dos motivos é a necessidade de o Brasil permanecer com sua condição de país consultivo no Tratado da Antártica. “Para ser membro consultivo, tem que fazer pesquisa. Se a gente não tiver incentivo e reduzir as pesquisas, o Brasil deixa de ser um país consultivo e deixa de tomar decisões para o que vai acontecer com o futuro da Antártica.”
Para poder explorar a Antártica, as equipes de pesquisadores precisam passar por um treinamento no Rio de Janeiro, coordenado pela Marinha, que é responsável pela estação e por toda a logística. O treinamento inclui o uso das roupas específicas para o clima, exercícios no mar com botes e exercícios de escalada. “No treinamento no Rio de Janeiro, a Marinha tenta simular o que pode acontecer na Antártica.”
A viagem é realizada no verão antártico (novembro e dezembro). É longa e o tempo exato de deslocamento vai depender das condições climáticas. Entre a partida e o retorno, a viagem pode durar entre 30 e 40 dias. Todos partem de avião do Rio de Janeiro até Punta Arenas, no Chile. Dali, seguem de navio pelo Estreito de Drake, onde as condições são bastante instáveis. “Tem muita onda e elas podem chegar a mais de 5 metros de altura.”
A estação onde ficam os pesquisadores foi inaugurada há dois anos. O clima é extremo, mas as equipes não ficam o tempo todo fora da estação. Há dias específicos para a coleta para que todos possam desenvolver suas atividades. Os pesquisadores devem permanecer na estação por cerca de 20 dias.
Ao mesmo tempo em que oferece amostras de micro-organismos, a Antártica também recebe diferentes materiais. Os pesquisadores, diz Passarini, não têm preocupação somente com o que vão trazer da Antártica. “A gente também tem muita preocupação com o que está levando.”
Existem pesquisas que apontaram a presença de medicamentos, produtos de higiene pessoal e outros compostos orgânicos no continente, comenta o docente, lembrando que a Antártica é explorada desde o início do século 20, principalmente para a produção do óleo de baleia. “O ambiente vai sendo impactado com alguma coisa.”
Ele adverte, no entanto, que, atualmente, não são somente pesquisadores que estão no continente. “A gente tem muito turismo. O turismo na Antártica está muito alto”, afirma. E as pessoas levam consigo muitos produtos diferentes “Isso vai jogando tudo no ambiente. A gente leva contaminantes e isso vai ficar ali.”
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