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Com a frase “o mundo antes da pandemia já era um mundo desigual”, a pesquisadora e docente do curso de Ciência Política e Sociologia – Sociedade, Estado e Política na América Latina Victoria Darling abre as discussões sobre pobreza e desigualdade, alertando que uma em cada três pessoas no continente é considerada pobre e que 11% da população latino-americana encontra-se abaixo da linha da pobreza. “A proposta do que é conhecido como renda básica universal consiste numa dessas utopias de resposta para a questão da pobreza, uma política social que representa uma possibilidade de transformação estrutural de nossas sociedades”, aponta a pesquisadora, que vai tratar sobre o tema no mais novo episódio da série ¿Qué Pasa?.
Para a pesquisadora, a pobreza segue sendo maior em áreas rurais, entre crianças e adolescentes, e entre pessoas com menor nível de educação. “Nesses contextos, então, a política de renda cidadã ou renda básica se mostra como uma necessidade sobretudo de subsistência e que foi inicialmente pensada para setores populares, porém, cada vez mais, vai se mostrando como uma política universal”, conta ela.
. A proposta de renda básica universal, de acordo com Victoria Darling, configura uma política de renda individual, sem condicionamentos, intransferível e vitalícia para cada uma das pessoas de um determinado território, que teriam direito ao benefício somente pelo fato de terem nascido. “A proposta é que, só pelo fato de estarmos vivos, temos o direito de receber uma renda e de poder nos alimentar dignamente”, afirma. E não seria necessária nenhuma condição prévia para isso, como o fato de a pessoa ser pobre ou demonstrar certa precariedade. Segundo a docente, a renda básica caracteriza-se por ser uma política inclusiva e universal por excelência.
. Ela compara essa política, baseada em estudos da área, a uma medida que se pareça com o voto, ou seja, que se caracterize como um direito adquirido e básico de todo cidadão, como um direito humano. “Depois é preciso pensar de que maneira ela se articula com a política fiscal progressiva, porque necessariamente se requer que a renda cidadã seja, de alguma maneira, devolvida aos cofres públicos pelos setores mais abastados”, aponta. Neste episódio, a pesquisadora também defende que, com pelo menos 10% de financiamento de recursos por países, seria possível iniciar um tipo de política como essa, que suplantaria outras políticas sociais já conhecidas de renda condicionada, como foi o Bolsa Família.
A proposta de renda básica universal, de acordo com Victoria Darling, configura uma política de renda individual, sem condicionamentos, intransferível e vitalícia para cada uma das pessoas de um determinado território, que teriam direito ao benefício somente pelo fato de terem nascido.
Mesmo não existindo experiências que contemplem todo o território de um determinado país, Victoria exemplifica com um estudo feito na Finlândia, na cidade de Puolanka, onde a política social local propôs o financiamento de 680 dólares mensais a duas mil pessoas, que foram beneficiadas por um período de dois anos. A professora também cita a experiência do Quênia, na África, onde 40 aldeias rurais foram beneficiadas com uma renda básica de 22 dólares mensais. Ambas as experiências foram acompanhadas por pesquisadores do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT). “Ainda não se realizou uma expansão dessas experiências, mas elas serviram como elemento de acumulação de dados que segue sendo frutífero ainda hoje”, diz Victoria.
. Na experiência desenvolvida na Holanda, ela aponta que os resultados mostraram que os jovens beneficiados com a renda puderam, por exemplo, empreender em um novo negócio ou investir em estudos. Ao final, o resultado apontou, também, uma diminuição nos índices de violência urbana. Em todas as experiências que Victoria apresenta neste episódio do ¿Qué Pasa?, incluindo a do Alasca, houve a preocupação de diferenciar entre aqueles que receberiam uma renda básica e aqueles que deveriam fazer o pagamento diferenciado de tributos. Atentar-se a isso, segundo ela, é também promover a igualdade, a equidade de condições e a melhoria de bem-estar.
. Uma das formas de garantir a renda básica universal seria a taxação de grandes fortunas, um tema bastante atual e controverso na sociedade. De acordo com dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), para cobrir as necessidades básicas de um terço da população da América Latina seria necessário investir apenas 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB). “Efetivamente, o que se investe em proteção social é menos de 1%”, aponta Darling.
. O que as experiências citadas mostram, de acordo com pesquisas apontadas por Victoria Darling, é, por exemplo, o aumento dos índices de felicidade na experiência da Holanda e de bem-estar social, na Finlândia. “Isso significa que as pessoas podem usufruir melhor de sua renda, do seu tempo, daquilo que lhes é importante. Isso parece um detalhe, porque na América Latina a luta pela subsistência é dura e vital, sobretudo depois de um momento de pandemia, em que nos acomodamos ao ver pessoas morrendo de solidão, nos acostumamos a ver um cenário em que 600 mil pessoas já não estão mais aqui. Há muitos mal-estares subjetivos associados à pandemia, traduzidos em angústia e ansiedade”, finaliza.
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