.
Roberto Burle Marx, paisagista brasileiro nascido em 1909, desenvolveu parques e jardins que tornaram-o mundialmente famoso. Roberto era o quarto filho de Cecilia Burle (cuja família veio de Pernambuco e da França) e de Friederich Marx, um judeu alemão. Um dos maiores artistas do seu tempo, Burle Marx não era arquiteto de formação, tendo cursado a Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Foi um dos grandes expoentes do modernismo no Brasil. Inquieto, visionário e único. Marx morreu em junho de 1994.
À revista Visão, o paisagista contou detalhes da devastação que viu na Amazônia no início dos anos 80. – Reprodução
Transportou o paisagismo para a lógica das artes plásticas, numa percepção estética singular, através do uso da textura, cor volume, sombras, transformando o espaço. Burle Marx era um artista multifacetado. Arquiteto paisagista, pintor, ceramista ecologista e músico. Roberto também desenvolveu tecidos, jóias, figurinos, objetos, gravuras e cenários. O estilo artístico de Burle Marx era vanguardista e moderno. Ele transformou a paisagem em uma forma de arte e acreditava que um jardim era a organização estruturada de elementos naturais. Muito do seu trabalho tem uma sensação de atemporalidade e perfeição.
Roberto foi um dos primeiros a usar plantas nativas em projetos paisagísticos nos anos 30. Ele reconheceu a diversidade e riqueza da flora brasileira, sua beleza e importância. Mas sua ligação com a natureza ia além do deslumbramento com nossa flora. Ambientalista, no início da década de 1980, já denunciava o desmatamento indiscriminado da Amazônia e de outros biomas brasileiros.
Em entrevista à revista Visão, quando voltava de uma expedição à região Norte do país, Burle Marx comentou: “É preciso avaliar os impactos dessas atividades (na Amazônia) e as suas consequências a curto e longo prazos. É preciso maior participação da comunidade científica nos planos para a Amazônia, como forma de conter a devastação da floresta.” (revista Visão, dezembro de 1980)
O Sítio Roberto Burle Marx, onde morou e fez experimentos o mais famoso dos paisagistas brasileiros, foi reconhecido como Patrimônio Mundial da Unesco em julho de 2021. O programa Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, exibiu um episódio dedicado ao sítio e à expectativa em torno de sua candidatura à referência mundial, no mês de abril daquele ano.
Localizado em Barra de Guaratiba, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, o sítio abriga uma coleção de mais de três mil e quinhentas espécies de plantas de regiões tropicais e semitropicais.
Burle Marx comprou a propriedade em parceria com o irmão, Siegfried, em 1949 e fez dela um laboratório para conhecer o comportamento da flora brasileira, até então pouco valorizada nos projetos paisagísticos. A partir dessas experiências, ele criou o jardim tropical moderno, que representou “uma mudança de paradigma no paisagismo, uma grande contribuição para a humanidade”, explica a diretora do sítio, Claudia Storino.
Não tenho medo de errar. Erro a gente pode corrigir. Tenho medo é da formula. Se eu fosse tentar fazer uma coisa perfeita, nem tentaria começar. O importante é ter curiosidade. (Burle Marx) .
Boa parte das plantas que podem ser vistas no sítio hoje veio das excursões que Burle Marx fazia pelos diversos biomas brasileiros. O arquiteto e paisagista José Tabacow participou de várias delas, primeiro como estagiário e depois como sócio de Burle Marx. Ele relembra que a única situação que deixava o amigo irritado durante as viagens eram os flagrantes de destruição do meio ambiente.
O auxiliar em preservação e defesa ambiental Sinval Pereira Filho, que começou a trabalhar no sítio aos 20 anos, ainda sob o comando de Burle Marx, conta que nessas expedições o paisagista chegou a descobrir cerca de 50 novas espécies, muitas batizadas com o seu nome, como o Orthophytum burle-marxii.
O Sítio Roberto Burle Marx, em Barra de Guaratiba, na zona oeste do Rio de Janeiro, se prepara para a nova fase da candidatura do local a Patrimônio Mundial pela Unesco.
. Na visita ao sítio também é possível apreciar como o paisagista aproveitou materiais de prédios demolidos em calçamentos, cascatas, portas e fachadas na propriedade. “Ele foi precursor em muitas coisas”, diz a educadora Suzana Bezerra, que apresentou o espaço à equipe do Caminhos da Reportagem e ressaltou a genialidade do artista.
Os jardins e os parques não devem constituir apenas a continuação da arquitetura. Devem ser também o lugar onde o homem civilizado esteja, ao mesmo tempo, em contato com as plantas, as pedras, os pequenos animais e a própria paisagem urbana.” – Marx, para “O Globo”, agosto de 1965
Na casa onde Burle Marx morou são preservados alguns objetos pessoais, como óculos, roupas e calçados, assim como um vasto acervo de obras do paisagista, que era um artista de múltiplas faces: pintor, escultor, designer de joias e até cantor de ópera. A professora de história da arte da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Vera Beatriz Siqueira avalia que tanto no paisagismo quanto na pintura a produção de Burle Marx mantêm vínculos com as nossas tradições culturais, com a nossa realidade e com a nossa paisagem mesmo quando se apresenta na forma abstrata. “Ele cria uma espécie de ambiente que eu chamo de ecologia da forma moderna”, explica a professora.
As salas também abrigam a enorme coleção de arte popular que Burle Marx adquiriu ao longo da vida. A auxiliar de serviços gerais Maria Goreti Ferreira de Lima, que começou a trabalhar na casa durante os preparativos para a festa de 80 anos do paisagista, diz que limpa as peças com mãos de seda e zela para manter viva a memória de seu Roberto, como se refere a ele.
Preocupado com a preservação do seu acervo, Burle Marx doou o sítio ainda em vida para o governo federal, em 1985, nove anos antes de morrer. O espaço está sob a responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan. Carlos Alberto Moreira da Silva, coordenador da manutenção do acervo botânico, conta que o desafio dos funcionários mais antigos agora é preparar os mais novos para cuidar desse presente deixado pelo paisagista. “As pessoas precisam saber disso aqui pra dar o valor que o sítio tem e merece”, afirma.
Se eu procurei compreender o jardim aplicado à nossa natureza, vamos dizer, à nossa natureza humana e sobretudo às necessidades brasileiras, é porque eu não quero fazer apenas jardins para uma casa de milionários. Eu gostaria de fazer jardins que o povo pudesse participar”, eternizou Burle Marx, em entrevista ao programa O Mundo Mágico, que faz parte do arquivo da TV Brasil.
Herdeira do escritório de paisagismo criado por Burle Marx, a paisagista Isabela Ono, no fim de 2019, junto com dois sócios criaram o Instituto Burle Marx com a finalidade de tornar público também o acervo de projetos, croquis, fotos, maquetes, entre outras peças, que pertencem ao escritório. “Só junta forças pra celebrar esse legado tão importante e tão grande que o Burle Marx deixou pra nós”, disse Isabela à TV Brasil em 2021.
Assine as notícias da Guatá e receba atualizações diárias.