Minha avó se chamava Jovelina e era benzedeira. As poucas lembranças que tenho de infância era seus lenços amarrados na cabeça e muitas ervas medicinais secando penduradas em cima do fogão a lenha. Nos ensinou a acalmar temporais benzendo o céu.
Meu convívio com ela foi breve e não sobrou nenhum retrato. Deixou ensinamentos que passam de geração em geração. Hoje, quando chove, sinto a estranha vontade de rezar olhando para o céu.
A última vez que eu a vi praticando seus saberes eu tinha sete anos. Eu e meus irmãos, que estávamos jantando após a chegada da vó Jovelina acompanhada de tio Laíde, que chegaram para nos visitar. Pouco antes daquele evento estávamos no terreiro da casa antiga, brincando com as bonecas de espiga de milho ainda verde do milharal que ficava a porta da casa. Aproveitava os fios amarelos envolto na palha como cabelos de uma boneca. Falava que as bonecas eram minhas filhas.
Já era noite quando ouvimos o ruído da tempestade, percebemos a vó saindo com seu pano atado a cabeça se afastando da cozinha, nos olhamos em sinal de que a reza ia começar. Crescíamos, mas a curiosidades em saber sobre seus rezos que nada sabíamos, crescia proporcionalmente. A repreensão era a todo instante. A vó, principalmente, só de olhar o corpo tremia.
Da sala podíamos ver ela indo em direção ao terreiro, e nos olhamos. Nós sabíamos que ela fazia os benzimentos, não tinha algo especifico, era para dores de cabeça, mal-olhado, dores em geral, criança que necessitavam restituir a saúde do corpo e do espirito. Desde cedo, havíamos convivido com a face mágica da nossa avó. Ela ampliava seus cuidados além da família, sabedoria dos remédios que não havia nos hospitais. As garrafas com remédios de raízes e folhas lhe impregnava seu pequeno corpo senil, os galhos de alecrim e arruda.
Hoje não se ouvem mais os murmúrios em forma de oração, o perfume de alecrim, os saberes populares. Estamos precisados desses saberes e fazeres das benzedeiras. Talvez estejam escondidas da intolerância, em quintais floridos, praticando essa herança ancestral de cura, de forma silenciosa. Tratando de feridas que muitas vezes não conseguimos lidar, benzendo temporal e espalhando o perfume das ervas pelo ar.
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