Bordenave (1926-2012), estudioso latino-americano e um dos precursores da Educomunicação:
“Processo tão natural como respirar, beber água ou caminhar, a comunicação é a força que dinamiza a vida das pessoas e das sociedades: a comunicação excita, ensina, vende, distrai, entusiasma, dá status, constrói mitos, destrói reputações, orienta, desorienta, faz rir, faz chorar, inspira, narcotiza, reduz a solidão e – num paradoxo digno de sua infinita versatilidade – produz até incomunicação.”
Além de livros, o acervo doado à Unila pela família de Bordenave reúne artigos, fotografias, correspondências e projetos, entre outros, que contam um pouco da sua história e da América Latina – Foto: divulgação / Unila
Criado oficialmente em 1991, o Mercosul já figurava em documentos de Bordenave anos antes, como pode ser constatado por meio do acervo agora em poder da UNILA. Em um deles, o diplomata apresenta quais seriam os desafios da comunicação frente ao bloco econômico a ser criado. O estudo, com data de 1984, foi doado à biblioteca em dois formatos: como impresso simples, em que a escrita se deu por máquina datilográfica ou impressora matricial, e em cópia de páginas de um livro já publicado. O curioso é que, na primeira versão, é possível ver apontamentos e marcações sobre palavras a serem cortadas da versão final, dando uma pista de como ele trabalhava. O texto é aberto com uma questão: “Que queremos con la integración” em que, por meio de citação de Maria Beatriz Moreira Luce, Bordenave pergunta: “es imprescindible tener certeza sobre QUIEN se integra, PARA QUE se integra y en QUE se integra”. Desenvolvido dentro do Proyecto Multinacional de Planificación y Administración para el Desarrollo Rural en América Latina y el Caribe, o documento foi elaborado para o Instituto Interamericano de Cooperación para la Agricultura.
A este estudo, se juntam artigos como “Comunicação e educação: o papel da tecnologia educacional”, texto sem data, mas com indicação que foi escrito depois de 1985, em que ele critica o “divórcio” entre ambas as áreas e propõe que comunicação e educação façam um “re-casamento” para que “ambos se comprometam radicalmente com a transformação libertadora da sociedade”. Além dos documentos, o acervo inclui fotografias e centenas de livros em vários idiomas e dos mais variados temas.
Suzana Mingorance, coordenadora da BiUnila: “É um acervo único, desenvolvido por uma pessoa. Tem um valor que vai além do comercial, é um valor histórico, de memória” – Foto: divulgação / Unila
O acervo de um dos integrantes da Escola Latino-Americana de Comunicação foi doado à BIUNILA, no final de 2023, graças a um conjunto de fatores. “Tudo começou em junho de 2022, quando o companheiro João Pedro Stedile, do MST, me falou pela primeira vez sobre a doação desses livros”, conta o cientista político e docente da UNILA José Renato Vieira Martins, que intermediou a doação. Segundo ele, a intenção inicial da família era doar o acervo à Escola Nacional Florestan Fernandes, centro de formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra no município de Guararema (SP). Porém, o próprio Stedile aconselhou os familiares a doarem os livros para a UNILA, por considerar que seriam mais úteis à Universidade. “Portanto, deve-se ao MST o fato de a UNILA haver recebido este acervo”, complementa o docente.
Conforme narrou a coordenadora da BIUNILA, Suzana Mingorance, como parte do material estava em poder da Editora Brasil de Fato, no Rio de Janeiro, foi traçada uma logística para o traslado da capital fluminense até a UNILA. “Fizemos a tratativa, pois como havia dois lugares com o acervo, um pouco na casa e um pouco na Editora Brasil de Fato, tivemos que organizar o transporte, que envolvia custos, etc. Tentamos concentrar toda a doação em um só lugar [a editora] para facilitar”, conta a bibliotecária-documentalista.
Todo esse cuidado foi justificado pela relevância do que estava sendo recebido. Como contextualizou, trata-se de um acervo histórico importante para a UNILA, que tem justamente como vocação a integração latino-americana. Além disso, Juan Bordenave era paraguaio, um comunicador famoso e trabalhou com educação. “Por isso, nós tínhamos que investir [nessa logística], pois não temos recursos para adquirir um acervo como este. É um acervo único, desenvolvido por uma pessoa. Tem um valor que vai além do comercial, é um valor histórico, de memória”, avalia.
A análise da coordenadora da BIUNILA é corroborada por José Renato Vieira Martins, que destaca a atuação de Bordenave na OEA, em que assessorava programas de desenvolvimento rural e agricultura familiar no Nordeste brasileiro e nos países andinos. “Aliás, foi a necessidade de comunicar-se com os camponeses e os trabalhadores rurais, iletrados e sem o pleno domínio da língua espanhola, o que lhe despertou o interesse pela comunicação social. O educador Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido foi uma das influências teóricas das pesquisas que Bordenave realizou no Brasil”, conta Martins, que lembra que o pensador paraguaio é considerado por alguns o criador de uma teoria latino-americana da comunicação social.
Com a guarda desse e de outros materiais já recebidos, classificados por Suzana como “inestimáveis”, a meta da BIUNILA é futuramente ter um Memorial da América Latina, que segundo ela vai ao encontro dos objetivos da Universidade. Além disso, materiais como o de Juan Enrique Díaz Bordenave são objetos de pesquisas de pós-graduandos, seja no mestrado ou no doutorado. “São coisas que fortalecem a Universidade. Se temos um acervo que não existe em outro lugar, é aqui que as pessoas vão procurar. É nosso nome que vai ser levado junto com esse trabalho”, disse a bibliotecária-documentalista.
No momento, a BIUNILA trabalha na separação e na limpeza do acervo. Os materiais em bom estado foram separados e o próximo passo é avaliar os que não estão em bom estado para executar uma higienização e ver a possibilidade de restauração.
Casado com a também pensadora Maria Cândida Rocha Díaz Bordenave (1929-2021), professora e tradutora, Juan Enrique Díaz Bordenave atuou na OEA por mais de 20 anos e por isso morou em vários países. Devido a essas mudanças, o casal teve seis filhos de várias nacionalidades: um mexicano, uma costa-riquenha, dois peruanos e dois brasileiros. Entre os seus filhos mais conhecidos, estão os atores Enrique Díaz, nascido no Peru, e Chico Díaz, nascido no México.
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