“Vou mastigar tuas paisagens como alimento inconstestável para a alma. Atravessar-me de trajetos até entupir as veias…Na pujança dos caminhos te esperarei sem trégua!”
De volta ao Rio Grande do Sul. Dia de brincar com a memória, estimular cada pedacinho de lembrança que reverbera dos cheiros, das cores, do paladar dos tempos de infância. Pegamos o caminho do velho casarão, com o desafio de nos confrontarmos com a materialidade da sua ausência física. De fato lá já não está a velha casa alaranjada, com suas amplas janelas, com seu pátio bem cuidado, com as galinhas nos arredores. Sinto saudade daquela belíssima imagem das cortinas esvoaçantes e da luz que entrava em cada fresta. O estralar do assoalho. Cada cheiro que invadia nossas narinas infantis. Até as árvores envelheceram (de fato), algumas esmoreceram como a velha casa. Parece que até as árvores sentem falta do gritario da criançada. Encontramos o abandono, a natureza que impiedosa se alastra por todos os cantos. Como diz minha irmã: tudo cresce mais rápido sem inibição da presença humana. A carroça está sem rodas, o sofá do velho jipe do meu avô, que depois serviu como cama preferida da minha irmã, repousa sob uma viga dos pedaços de construção do que sobrou da casa! Uma imagem doída é o contraste do sol forte sobre esta paisagem que se desconstrói na memória traiçoeira dos tempos da infância. Hoje, por fim, depois de 7 anos terminei de filmar as imagens para o filme “às pedras baixas”, a montagem será um deleite para a memória e uma porção de dor por perceber a beleza do que foi e materialização da ausência de todos eles!! (Nas imagens em cor o que foi a casa que vivi até meus 16 anos, nas cores em P&B as imagens que hoje me confrontei).
Sigo na saga familiar: desta vez viajando com trinta e três integrantes da família dos irmãos “Cabeça Branca” para a cidade de Chopinzinho no Paraná onde encontramos mais uns quarenta integrantes da mesma família. Há 18 anos, os nove irmãos da minha mãe (família Secco) se reúnem. Entre filhos (as), netos (as), bisnetos (as) hoje já somos 150 pessoas. A tia que nos recebe é mais uma das agricultoras da família. Para muitos de nós é a primeira vez na sua casa há 22km da cidade. Na pequena propriedade rural é a alegria da criançada ver as galinhas, as vacas, os gatinhos recém nascidos. Sobe morro, desce morro, atravessa sojais, lavouras de milho, vacas no potreiro. Mudamos de estado, mas parece que a paisagem não muda nos olhos da gente. Suas gentes com a mesma humildade, com as mesmas e tantas outras lutas. Seguimos na lida do campo e com todas as suas contradições. No caminho me chama a atenção toda vez que paramos em um local e encontramos um antigo morador do interior do RS que migraram para as terras do Paraná. A pergunta sempre é a mesma: de que família é? Qual comunidade que moravam? Todos (as) se reconhecem, independente dos tempos e das distâncias. A relação de pertencimento reverbera também nestas paragens. Outra coisa que me chama atenção é a advertência de uma tia para os mais jovens: Vocês comem rápido como empregado, nem sentem o gosto da comida, por que estão sempre correndo. Sim, nós da nova geração, já urbanóides estabelecemos outra relação com os tempos, com o sabor das comidas, com a nostalgia sobre suas próprias histórias. Os tempos mudaram para nós, mas eles seguem comendo despacito, saboreando a comida de fora de casa e ainda se encantam com os gostos poucos conhecidos. Chegamos na tia Neiva e por aqui ficamos até amanhã celebrando o encontro da nossa história, dos irmãos cabeça branca e apreciando a paisagem interiorana do Paraná bem gaúcho! Clique aqui para ver mais fotos da viagem de Fran Rebelatto ________________________________ Fran Rebelatto é professora de Cinema e Audiovisual na Unila, em Foz do Iguaçu, Pr. ________________________________ Você também pode ver outros relatos de viagens. Clique aqui
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