O Museu foi instalado em 2022 na casa que pertenceu à médica Marta Teodora Schwarz, em Puerto Iguazú – Foto: Denise Paro
Texto e fotos por Denise Paro. Especial para Guatá Marta Schwarz era destemida. Nos idos da década de 1940 fazia o que precisava para chegar até nos recônditos mais distantes da tríplice fronteira para atender os pacientes. Muito querida, foi movida pela solidariedade e a cura.
O legado desta médica pode ser visto no Museu Casa Dra. Marta Schwarz que fica no centro de Puerto Iguazú, na Argentina. Instalado na casa onde a médica viveu, o espaço conta com objetos, textos, móveis e imagens que resgatam a trajetória de vida dela.
Marta usava cavalo para se locomover em situações mais emergenciais – Foto: reprodução Museu
Marta chegou em Puerto Iguazú em 1949 quando a cidade vivia uma epidemia de malária e tinha cerca de 400 habitantes. Como a demanda por atendimento era grande, ela fazia o que fosse preciso para chegar até os pacientes. Cruzava as fronteiras de canoa, subia em caminhões e montava cavalo.
Levava remédios e não cobrava se as pessoas não tivessem condições de pagar. Além do espanhol, se comunicava em português e guarani.
O museu resgata toda a trajetória desta importante personalidade da região que exerceu a medicina em uma época em que o trabalho dos homens predominava. Ao observar objetos pessoais, fotos e ler os textos é possível fazer uma imersão na vida de quem deu vive em prol dos outros.
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Um dos ambientes mais marcantes é a reconstituição do consultório médico dela. A maca, instrumentos cirúrgicos e o lavabo para mãos que surgiu como medida de prevenção por volta de 1850.
Na parede, diplomas e certificados mostram a dedicação e homenagens que recebeu durante a vida, uma delas o título de cidadã honorária de Foz do Iguaçu, em 1986, onde atendeu muitos pacientes.
Em 1986, Marta recebeu o título de Cidadã Honorária de Foz do Iguaçu pelos serviços prestados na região – Foto: Denise Paro
Em outra sala estão expostos roupas, móveis e objetos pessoais da médica. Vaidosa, ela se vestia bem e tinha uma vida social intensa pela representatividade na sociedade. Gostava muito de viajar com amigos e nessas andanças levava uma máquina fotográfica que está exposta no museu.
Nessa sala, é possível ver a coluna original da residência, construída com ladrilhos fabricados em olarias da região.
Outro espaço é reservado para os visitantes assistirem a um vídeo que resgata a trajetória da médica com depoimentos de ex-pacientes. Ali é possível perceber o quanto Marta foi uma médica assistencial e dedicada à profissão.
A biblioteca de Marta, discos e outros móveis ficam em uma sala que também serve de apoio administrativo. Lá funcionários do museu trabalham na restauração dos livros e organizam as próximas exposições do museu.
O museu recebe bastante grupos escolares e turistas estrangeiros que visitam Puerto Iguazú.
A ideia de fazer o museu surgiu em 2017 e ganhou força com a criação da Direção de Patrimônio Histórico e Cultural de Puerto Iguazú, coordenado pela professora e historiadora Maria Esther Rolón.
Os trabalhos tiveram início em 2019 e seguiram até 2021 com a recuperação de objetos e reforma. Maria Esther conta que a casa onde hoje é o museu estava abandonada há pelo menos uma década e muitos objetos pessoais de Marta desapareceram.
Trabalho de recuperação de objetos pessoais e de livros da médica – Foto: Denise Paro
Em razão do trabalho junto ao museu e o resgate da história de vida da médica, a professora recebeu este ano o prêmio Ángel de la Selva, voltado a mulheres a Província de Posadas.
O resgate da história de vida da médica despertou interesse da Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA. As professoras Cleusa Gomes e Jordelina Tallei inseriram a história da médica no projeto “Biografías interculturales de frontera” que reúne perfis de mulheres pioneiras na Tríplice Fronteira.
Mantido pela prefeitura de Puerto Iguazú, o museu faz parte da Fundação Marta Schwarz.
No vídeo “Ángel de la Selva”, produzido em 2011, ex-pacientes de Marta fizeram relatos sobre o trabalho dela:
“Era uma mãe para toda Puerto Iguazú, Brasil e Paraguai”. “Nós éramos como se fosse a família dela”. “Um ser humano como ela neste século se necessita muito”.
De família alemã, Marta Teodora Schwarz nasceu em Buenos Aires em 8 de março de 1915. Aos 6 anos tornou-se órfã de pai e iniciou os estudos em um colégio alemão da capital com ajuda do padrinho.
Graduou-se na Universidade Nacional de Córdoba onde estudavam naquela época apenas 6 mulheres. Começou a exercer a medicina em uma província chamada Puerto Naranjito. Lá vivia com a mãe em uma casa de madeira humilde.
A casa em Puerto Naranjito – Foto: wikipedia
Trabalhou no Hospital Regional de Posadas e tempos depois foi transferida para Puerto Iguazú onde havia falta de médicos, remédios e de lá não saiu mais. Na época a cidade passava por uma epidemia de malária e o trabalho da médica foi fundamental para tratar os pacientes.
Pôster mostra Marta (ao centro na imagem), em 1949, na frente da casa que virou museu – Foto: Denise Paro
Ao chegar na cidade, Marta foi trabalhar no Hospital SAMIC que em 1986 recebeu o nome dela. Foi a primeira médica a se estabelecer na região trinacional do Brasil, Paraguai e Argentina.
Fez especialização em ginecologia e obstetrícia na Universidade Federal de Frankfurt, Alemanha e passou por outros países europeus. Durante a carreira, fez mais de 2.500 partos. Representou a Argentina e países vizinhos na Organização das Nações Unidas – ONU e OEA e recebeu a benção de papas.
A médica também estudou farmácia e era puericultora. Atendia dia e noite qualquer pessoa que a procurava. Em razão da competência técnica e o envolvimento com a sociedade, foi Ministra da Saúde, Cultura, Educação e Ação Social de Misiones (1963) de Misiones e dirigiu por 40 anos o Hospital SAMIC que hoje leva seu nome.
Ao longo da vida, recebeu inúmeros prêmios e homenagens, incluindo o prêmio Alicia Moreau de Justo por ser uma das 100 mulheres com trabalhos dedicados à Argentina (1968); o prêmio da ONU pela trajetória pessoal (1999); e o Prêmio Hipócrates, da Universidade de Buenos Aires, como médica destacada na assistência rural (2001).
Marta não casou ou teve filhos. Ela faleceu em 29 de março de 2005 aos 90 anos e seu corpo está enterrado em um mausoléu do cemitério de Puerto Iguazú.
Casa Museu Dra. Marta Schwarz O Museu funciona de segunda à sexta das 7h às 20h e aos sábados e domingos das 16h às 20h (horário local). Avenida Victoria Aguirre com Alvar Núñez, Puerto Iguazú, AR. A entrada é gratuita.
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