Nas eleições de 2022, Chico Buarque apoiou Lula durante a corrida eleitoral pela presidência da República – Foto: Reprodução/Instagram
Aos 80 anos de vida, Chico Buarque de Hollanda foi capaz de se notabilizar no mundo da música, literatura e teatro, sendo premiado e censurado em todas essas áreas.
O artista aniversariante ganhou prêmios como Jabutis, Grammy Latino, Oceanos e, o mais recente, Camões, congratulação portuguesa concedida em 2019 ao cantor que só pôde receber o troféu quatro anos depois, por conta de uma decisão do ex-presidente Jair Bolsonaro que se recusou a assinar o diploma de entrega, o que era necessário por conta do cargo que exercia como chefe de estado brasileiro.
O próprio Chico Buarque considerou, na época, o gesto como um “segundo prêmio”, provavelmente uma interpretação similar de como ele viu suas obras sendo proibidas de circularem durante os anos de ditadura militar.
“É um artista dialético para o Brasil”, define o pesquisador e historiador musical Ivan Lima, em entrevista ao programa Bem Viver desta quarta-feira (19).
Ivan Lima argumenta que para compreender o ativismo político de Chico Buarque é importante lembrar a origem do cantor.
O artista é filho de Sérgio Buarque de Hollanda, autor de Raízes do Brasil, obra considerada clássica da historiografia nacional, e neto de Aurélio Buarque de Hollanda, autor do Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa e que foi membro da Academia Brasileira de Letras.
“O Chico vem desse DNA. É óbvio que isso de alguma forma deu ao Chico uma certa liberdade maior do que outros que escreveram durante a ditadura militar, no sentido da repressão”, comenta.
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Para ilustrar a carreira de Chico Buarque, o pesquisador musical escolhe o álbum lançado em 1978, intitulado com o nome do artista.
Ivan Lima justifica a decisão pelo ecletismo musical presente no disco, somado às faixas emblemáticas, como Cálice e Apesar de Você – lançada anos antes como single, mas censurada na época.
Além disso, o trabalho reúne O Meu Amor, interpretado por Elba Ramalho e Marieta Severo; Até o Fim; Trocando em Miúdos; Tanto Ma; Homenagem ao Malandro; Pedaço de Mim; Pivete e Pequeña Serenata Diurna, além da faixa que abre o disco, Feijoada Completa, que, para Ivan Lima, pode ser associada à luta do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
“Esse disco é um disco emblemático e abarca muito da obra do Chico, nos seus mais variados aspectos. Feijoada completa, coloca água no feijão! E a gente está associando também essa questão de MST, de usar um feijão, o alimento, essa ideia de colocar sempre um pouco mais de água. Eu acho que o Chico Buarque foi um cara que colocou muita água nesse feijão da música brasileira, sabe?”
Chico Buarque é o artista nacional que mais levou sua música para o mundo político?
É polêmico falar isso, uma vez que quando a gente escolhe um a gente acaba deixando outro de lado, a escolha é algo muito ingrato. Me atrevo a dizer que, sem dúvida, é um dos maiores artistas da história do país, eu digo isso não só do século 20, do século 21, mas em toda a história do Brasil,
Agora, é um artista que sempre deixou em toda a sua carreira sua convicção política muito clara, sempre teve uma linha ideológica muito firme, nunca foi de gaguejar em relação às suas escolhas políticas, com preocupação com os movimentos sociais. E boa parte das suas obras falam sobre isso.
Uma parte da sua obra está muito ligada ao lirismo, uma parte do amor, do romance e tal. Outra está muito ligada à parte política, de uma maneira um pouco mais incisiva à durante a ditadura militar.
Portanto, eu acho que um artista que é fundamental na compreensão da história da música brasileira. A história do Brasil só se compreende se se compreender a obra do Chico Buarque, e vice -versa, só se compreender a obra do Chico, se você compreender o país.
É um artista dialético para o Brasil, um artista que está vivendo há oito décadas e ainda produzindo incessantemente, fazendo turnê não só pelo Brasil, mas pelo mundo.
E esse lado político que ele nunca escondeu, você avalia que exaltou a carreira dele? Ou pode ter limitado sua expansão artística, haja vista o tanto de censura que sofreu na ditadura?
Eu acho que exaltou. Chico vem também de uma família tradicional no meio intelectual brasileiro, o Aurélio Buarque de Holanda, o Sérgio Buarque de Holanda…
O pai do Chico Buarque é um dos grandes pensadores da formação do Brasil, autor de Raízes do Brasil, um clássico. Equiparado a Gilberto Freyre, o Caio Prado Júnior. Ali está o César Buarque de Holanda figurando entre os grandes pensadores do Brasil.
O Chico vem desse DNA. É óbvio que isso de alguma forma deu ao Chico uma certa liberdade do que outros que escreveram durante a ditadura militar, no sentido da repressão.
Claro que ele foi reprimido. Mas imagina que o Chico Buarque, por exemplo, não sofreu em termos de tortura o que sofreu o Gerardo Azevedo, que é nordestino, era pobre e tal.
Em compensação, o Chico podia ser um pouco mais incisivo e ele sabia disso, então isso foi muito importante, né? Ele sabia o lugar que tinha, o berço que tinha e até onde ele podia chegar.
Isso foi muito importante para o Brasil, porque as pessoas que vinham de origem mais humilde não tinham metade daquele limite para alcançar.
Eu posso até fazer uma comparação com Guilherme Boulos, né? No sentido que os dois sabiam que tinham pra onde ir isso se tudo desse errado, né? Ele sabia que se o bicho pegasse alguém iria interceder por ele.
Mas eu acho isso uma ação política muito generosa, muito bonita para a história do país. Ele tinha tudo, ele não precisava fazer aquilo que fez e fez muita coisa, sempre pensando no bem-estar coletivo.
E a forma dele foi incrível, porque foi um momento em que ele usou a canção, que é um instrumento político muito rápido, em 3, 4 minutos você passa a mensagem. Além de ser um instrumento lúdico, mas também é um instrumento que de certa maneira entra, permeia lugares sem que se perceba através das metáforas.
O Chico também não só enfrentou, mas ele convocou de uma certa maneira aquilo. E também sabendo misturar o que havia de clássico com o contemporâneo.
Ele é político, mas ele também tem uma noção dos antigos. O Chico vai resgatar aqueles personagens dos anos 30 e 40, do samba do [período de] Getúlio Vargas, que eram censurados.
O Juca, no primeiro disco dele, depois ele vai falar do Pedreiro, no Construção. Isso tudo são dos anos 20, 30, 40, que ele resgata.
Enfim, o Chico foi muito censurado. Eu não posso dizer que é o mais censurado, porque isso é tudo números. O Chico teve censurado músicas, capas de disco, peças de teatro e por ai vai
O nome Chico Buarque já era o alvo da ditadura militar. Como eu falei, não a repressão chegou ao caráter físico dele ser constantemente violentado fisicamente, mas é claro que mesmo, mesmo sendo Chico Buarque ele tinha medo, por isso que ele foi para fora do país.
E que álbum você escolhe para simbolizar Chico Buarque?
O Chico é poeta, é político, é cronista, é futebol, é samba, sabe? É o Brasil misturado em tantos discos dele. Então, eu vou sugerir um disco que eu acho que traz um pouco desse eclético Chico Buarque, que é o disco de 1978. É aquele disco famoso do Chico com as samambaias atrás, sabe? É um disco que tem Feijoada Completa, tem Cálice, que é uma parceria com Gilberto Gil e foi censurada durante o começo da ditadura. A gente estava em 78, em ditadura, mas já está no processo de abertura.
Tem O Meu Amor, com aquela gravação famosa da Elba, com a Marieta Severo. E por fim a canção Apesar de Você que tinha sido censurada durante a ditadura como single e só também em long play anos depois.
Esse disco é um disco emblemático e abarca muito da obra do Chico, nos seus mais variados aspectos. Feijoada completa, coloca água no feijão! E a gente está associando também essa questão de MST, de usar um feijão, o alimento, essa ideia de colocar sempre um pouco mais de água. Eu acho que o Chico Buarque foi um cara que colocou muita água nesse feijão da música brasileira, sabe?
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