Demarcação de terras indígenas depende de decisão dos ministros do STF sobre o marco temporal – Foto: Apib
. O Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH) acionou a Advocacia Geral da União (AGU) para solicitar, de maneira urgente, a revogação de parecer sobre o marco temporal enviado em 2017 ao Supremo Tribunal Federal (STF), ainda durante o governo golpista de Michel Temer (MDB). O caso, de extremo interesse dos povos indígenas de todo o país, aguarda julgamento no Supremo. .
Segundo o CNDH, o Parecer 001/2017, que marca a posição da AGU no debate, legitima invasões, expulsões e violência contra os povos indígenas, e serve para inviabilizar demarcações de territórios, bem como rever demarcações concluídas ou em andamento. .
Em entrevista ao jornal Brasil de Fato, o atual presidente do CNDH, André Carneiro Leão, disse que a mudança de posicionamento da AGU é necessária, já que o parecer enviado em 2017 bate de frente com normas e legislações vigentes, incluindo a própria Constituição. Além disso, ele afirmou que é possível supor que o posicionamento vigente tem relação com a posição ideológica do governo da época. .
“E essa é nossa preocupação. A AGU não deve ser uma estrutura de governo, mas sim uma estrutura de Estado, que se oriente por parâmetros jurídicos que respeitem os Direitos Humanos e as convenções internacionais sobre o tema”, destacou. .
Além de solicitar a revogação do parecer, o CNDH solicitou uma reunião com o Advogado-Geral da União, Jorge Messias. A solicitação foi feita em conjunto com um grupo de advogadas e advogados, mas ainda não foi respondida. O jornal Brasil de Fato entrou em contato com a AGU, que informou que os pedidos estão sendo analisados e que, no momento, não vai se manifestar. .
“Agora depende de um movimento deles [AGU]. Nós temos a previsão de julgamento do marco temporal [no STF] no dia 7 de junho, e nossa expectativa é que, antes desse julgamento, tenhamos possibilidade de dialogar com o Advogado-Geral da União sobre esse tema para que a AGU possa rever, inclusive, seu posicionamento no âmbito desse julgamento”, complementou Carneiro Leão. .
. Formalmente chamado Parecer Normativo 001/2017, o documento publicado pela AGU em 20 de julho de 2017 prevê uma série de restrições à demarcação de terras indígenas. Órgãos ligados à causa, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), referem-se ao documento como “parecer antidemarcação” ou mesmo “parecer do genocídio”.
. “O Parecer foi publicado pela AGU no governo de Michel Temer, em meio às negociações do então presidente para evitar que as denúncias de corrupção contra ele, feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), fossem aceitas pela Câmara dos Deputados. As negociações envolveram a liberação de emendas a parlamentares e também o atendimento à pauta de setores e bancadas, como a ruralista”, lembra o Cimi, em texto publicado em seu site.
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A tese do marco temporal se baseia na ideia de que populações indígenas só teriam direito à terra se estivessem de posse da área ou em disputa judicial por ela em 5 de outubro de 1988. A data em questão marca a promulgação da atual Constituição Federal. .
O objeto da ação que será avaliada é especificamente um pedido de reintegração de posse apresentado pelo governo estadual de Santa Catarina contra o povo Xokleng, que vive na Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, onde também se concentram indígenas Guarani e Kaingang. .
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. O caso tem repercussão geral, o que significa que a decisão a ser tomada pelo STF servirá de norte para que a Justiça balize o entendimento sobre outros conflitos envolvendo territórios tradicionais no país. É também por isso que o julgamento tem provocado, ao longo dos últimos anos, grande mobilização de comunidades indígenas, ambientalistas e outros defensores dos direitos dos povos tradicionais.
. “O CNDH considera ser totalmente indevido fixar marco temporal para os direitos originários reconhecidos pela Constituição”, diz o documento protocolado pela CNDH junto à AGU. “É também completamente desprovida de fundamento jurídico a necessidade de comprovação de resistência e disputa física ou judicial à época de 1988, visto que esses povos e comunidades foram submetidos na expropriação de suas terras com grande violência perpetrada por agentes estatais e privados, como comprovou a Comissão Nacional da Verdade ao apurar pelo menos mais de 8 mil indígenas mortos pela Ditadura Militar antes da promulgação da Constituição de 1988”, prossegue o texto. .
. Criado na década de 1960, antes da ditadura militar, como Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), o CNDH tem a atual nomenclatura desde 2014. O órgão, vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, tem na atualidade ampla participação social: são 11 representantes da sociedade civil e 11 do poder público.
. O colegiado existe para promover e defender os direitos humanos no Brasil, tendo em vista a legislação interna vigente e atos internacionais dos quais o país é signatário. Para isso, age em casos de ameaças ou violações desses direitos, e pode fiscalizar e monitorar políticas públicas.
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