Ana Carolina de Paula, que participou com o filho da oficina, ressaltou a importância terapêutica da atividade – Foto: divulgação
A colagem é considerada uma expressão artística de sobreposição de imagens físicas ou gráficas, normalmente retiradas de revistas, livros, fotografias e impressos no geral, ou feitas em processos digitais. E é também considerada terapia, pois o processo de recorte e colagem proporciona ao sujeito um momento de concentração, interação com o material e transformação, que cria uma imagem ou representação artística, a partir de outras expressões existentes.
Pesquisas indicam que a técnica de colagem tenha se potencializado a partir do início do século XX com os artistas Pablo Picasso e Georges Braque, que incluíram em suas pinturas pedaços de tecidos, papéis de embrulhos e de estofados, popularizando a técnica que foi se desenvolvendo, evoluindo e criando vida própria. No Brasil a colagem é muito utilizada em processos artísticos, publicitários e como arte terapia, existe inclusive um coletivo muito fortalecido chamado “Sociedade Brasileira de Colagem”.
Na região oeste do Paraná recentemente aconteceu o projeto “Do Não Lugar ao Lar” que trabalhou a colagem como referência de troca, encontro, pertencimento e identificação entre migrantes e brasileiros. O projeto foi desenvolvido pela Embaixada Solidária de Toledo com patrocínio cultural do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Paraná (CAU-PR) e propôs que os migrantes e refugiados atendidos pela instituição pudessem pensar e idealizar, através das colagens, o seu conceito de lar e lugar. A atividade foi dividida em três encontros orientados pela artista visual migrante de Cuba Isabel Gutierrez e a arquiteta brasileira Renata Bussata.
Os relatos e experiências dos participantes são diversos, para Elora Marques, que migrou de Campinas para Toledo, participar foi aprofundar sua experiência: “Moro em Toledo há 10 anos, vim de Campinas, São Paulo, para fazer faculdade. Para além da universidade, eu tinha um desejo de viver em outro lugar e Toledo foi esse espaço para mim, onde eu pude realizar esse desejo pessoal, além de estudar. Então participar dessa atividade, para pensar o lugar e o não lugar me levou pra espaços internos, me fazendo lembrar que o meu lugar de origem é na verdade o meu não lugar. Vir pra Toledo foi encontrar o meu lugar, ou seja, eu sai do meu não lugar, para encontrar o meu lar: minha trajetória é como o projeto. Para além dessa percepção, o trabalho da colagem em si me deu uma noção de pertencimento do campo criativo que eu nunca tive e nem fui estimulada a ter, me abster do mundo, do celular por algumas horas para formar novas imagem através da colagem da minha própria visão foi terapêutico, libertador e norteador, porque me fez pensar outros futuros possíveis. Essa experiência foi meu eu adulto com minha criança interior entendendo que sim, é possível juntar peças de forma criativa e montar um novo espaço de lugar, de não lugar e de lar.”
Vikki: “Acho que essa dinâmica de socialização deveria ser usada com mais frequência e em maior escala, pois o efeito catalisador que a criação artística tem, permite que diversos tipos de pessoas, com experiências tão diferentes, encontrem o que as une.” – Foto: divulgação
Já para os migrantes de outros países que participaram a experiência teve uma função pessoal e terapêutica muito importante: “A Oficina de Colagem foi pra mim um grande aprendizado, onde conheci e troquei com pessoas geniais de outros países, que também tiveram experiências de viagem parecidas com as minhas, onde passaram todo tipo de adversidades, memórias que pudemos traduzir através da arte na oficina de colagem. Para mim foi uma experiência genial, onde também curei dores e lembranças que trazia de minha extensa viagem de sete meses”, disse Einstein, migrante da Colômbia.
Vikki, migrante de Cuba: “O workshop de colagem foi uma experiência espiritualmente muito enriquecedora e uma prática totalmente terapêutica. Foi uma forma de encarar conversas internas que, de outra forma, ficam relegadas às profundezas do subconsciente, apenas aparecendo para atormentar na hora de dormir. Para mim, aí reside o poder da arte como prática de autoconhecimento. No dia da colagem, não fui com a intenção de trazer à tona essas ideias e sentimentos que estavam guardados. Principalmente relacionados aos acontecimentos dos últimos dois anos da minha vida, onde tudo o que eu conhecia desapareceu e me encontrei, da noite para o dia, em um novo ambiente; cercada por pessoas diferentes que não me entendiam (nem eu a elas). Ao mesmo tempo, foi uma oportunidade de confraternização e me ajudou a formar uma perspectiva diferente. Acho que essa dinâmica de socialização deveria ser usada com mais frequência e em maior escala, pois o efeito catalisador que a criação artística tem, permite que diversos tipos de pessoas, com experiências tão diferentes, encontrem o que as une; sendo esta, uma peça essencial para a sua integração em seu novo “lar.”
As atividades também tiveram participação de crianças, que interagiram junto com pais e mães. A brasileira Ana Carolina de Paula contou como foi vivenciar a oportunidade com o filho. “Participar da oficina de colagem foi uma experiência muito especial. Não só pelo fato da riqueza de trocas de vivências com pessoas de diferentes nacionalidades, mas também de proporcionar ao meu filho. Ele, que está dentro do espectro autista, pode explorar habilidades e também superar outras dificuldades como o corte com a tesoura e mexer com cola por exemplo. Além disso, manifestou interesse em vários momentos querendo realizar a colagem em casa com seus próprios materiais, passando horas recortando, colando e colocando a imaginação pra voar. Então, parabenizo e agradeço a equipe que organizou e proporcionou essa experiência coletiva e tão afetuosa ao mesmo tempo.”
Para Camila Alves, foi um momento de oportunidade para trocar com pessoas de outras nacionalidades: “Participei do primeiro encontro de colagens, que aconteceu no encerramento da Semana do Migrante na Embaixada Solidária. A experiência como um todo foi muito rica. Tive contato com histórias e vivências, sobretudo de mulheres migrantes, que eram a maioria das participantes. Essa imersão foi única pra mim, por ter sido meu primeiro contato com as diferentes nacionalidades que compartilham a mesma cidade, e até o mesmo bairro, em que eu vivo. Visitar a exposição do projeto é uma experiência de imersão nesse mosaico de histórias e memórias mobilizadas em torno dos sentidos que damos para aquilo que chamamos de “lar”. Vale a pena conferir!” .
As colagens do projeto “Do Não Lugar ao Lar”estão expostas na ADUCT, que fica dentro da Unioeste Campus Toledo, com visitação gratuita de segunda a sexta das 8h30 às 11h e das 13h30 às 17h, até o dia 01 de novembro de 2024.
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